Por Gustavo Corção, publicano n’O Globo, 2 – 11- 74
NO ARTIGO DE QUINTA-FEIRA PASSADA lamentei longamente a omissão dos 207 membros do Sínodo no que concerne à salvação das almas. Hoje, tornando a examinar os vários recortes de jornal com notícias do Sínodo, verifiquei que fui inexato. Um dos prelados que lá diziam representar o Brasil, para nossa maior confusão, e justamente o que mais se tem destacado ultimamente, o majestoso Arcebispo e Cardeal Dom Evaristo Arns fez questão de deixar bem claro o que pensa sobre este assunto. Não foi omisso. Eis o que nos enviou da Cidade do Vaticano esse eclesiástico, julgado por outros digno dos mais altos postos: a juventude não ouve a Igreja, quando esta lhe diz: "Salvai vossas almas porque o aspecto dualístico e individual não traduz a verdade total e até se pode dizer que é alienante."
ANTES DE ENTRAR NO MÉRITO do curioso pensamento, publicado por Dom Evaristo, chamo a atenção do leitor para o ângulo em que se coloca Sua Eminência, ou o critério com que pensa e fala. Leitor descuidado ou ingênuo, não se precipite logo sobre a idéia ou sobre o conteúdo do que dizem hoje tantos eclesiásticos, antes de notar em que postura do espírito se colocam. No caso presente Dom Evaristo começa por dizer que a "juventude não ouve a Igreja" mas em vez de lamentar que os moços não dêem atenção à Igreja, mãe e mestra, e se arrisquem ao extravio e à perdição, o Cardeal de São Paulo logo acrescenta que foi a Igreja quem se extraviou da verdade, por não ter dado maior atenção à sabedoria dos jovens.
ESTOU GRACEJANDO? Estará Dom Arns gracejando? Não. A incomensurável bobagem de tal colocação está refulgentemente clara no telegrama da Cidade do Vaticano. Foi declarado, telegrafado, recebido no Rio, lido e publicado em O GLOBO de 10 de outubro sem que tal despropósito tivesse assustado algum dos intermediários e despertado a idéia de um possível mal-entendido. Não. O fato primeiro que quero aqui registrar é este: não houve corrida de desmentidos da CNBB, não houve sustos, nem estranhezas. Por quê? Estará todo o mundo habituado, até o torpor, a só esperar tolices do senhor Arcebispo Dom Evaristo Arns; ou chegou todo mundo ao mesmo nível, e ninguém mais percebe que aquela frase, antes de qualquer consideração sobre "dualismo, alma e outras coisas", é espantosamente reveladora da posição mental do autor. Ele nunca foi bem posto, mas agora, nesse telegrama em que censura a Igreja que não segue os jovens, o Arcebispo se põe de cócoras. Agacha-se o mais que pode, e certamente encontrará neste mundo de hoje milhares de pessoas para pensarem que sou eu o irrespeitoso, e não esse Cardeal que assim, sem mesmo se aperceber, escoiceia a Igreja de Cristo. Não posso hesitar no meu testemunho já que a isto se reduz tudo o que me cabe neste resto de vida. Deus o quer. Já tenho dito mais de uma vez que professo a religião católica e que, em muita algaravia que vem de Roma ou das Conferências Episcopais, e agora do Sínodo, eu mais ouço os relinchos do Cavalo de Tróia do que a voz de minha Mãe e Mestra. Continuo tranquilamente, e peço a Deus que me renove todos os dias a mesmíssima Fé, continuo a crer na Igreja de Cristo, depositária e distribuidora da doutrina da salvação; continuo a pensar que é essa mesma doutrina que deve ser ensinada a jovens e velhos, para que se salvem; continuo a pensar, em termos de Fé e de senso comum, que os pais, padres e arcebispos devem diligentemente dizer aos moços que com Deus não se brinca e que a salvação da alma deve ser o principal cuidado de sua vida. Conseguintemente, não é de admirar que eu continue a seguir o conselho de S. Paulo aos Gálatas: a quem fizer profissão pública de outra doutrina, direi anathema sit. Ou então, em vernáculo: não seja idiota!
AGORA DUAS PALAVRAS sobre o "dualismo" que o Arcebispo Cardeal de São Paulo tão desembaraçadamente condena nas barbas de 207 companheiros de Sínodo. Todos nós sabemos há mais de dois mil anos que em todos os seres criados há uma composição de potência e ato; que nos seres corpóreos do mundo visível há uma união de matéria e forma. Todos esses dualismos constituem a maior glória do pensamento humano, e todas essas verdades filosóficas vieram servir eficacissimamente à teologia sempre recomendada pela Igreja, no que concerne aos dualismos do homem: o de corpo e alma, e o de matéria e espírito.
NA LÍNGUA CATÓLICA, o único dualismo que foi condenado pela Igreja, denunciado por Santo Tomás e combatido pelos cruzados é o dualismo maniqueu, que faz do mal uma propriedade transcendental do ser simétrico ao bem e que atinge o próprio Deus. Ninguém certamente irá imaginar que Dom Arns está pensando nos maniqueus e brevemente pregará a cruzada contra os albingenses. Não. Quando diz que o dualismo é "alienante", Sua Eminência não está pensando nos maniqueus, para combatê-los; se em alguém está pensando será nos marxistas, para agradá-los. Se Dom Evaristo quer realmente saber o que é dualismo terá de estudar; se quer evitar erros mais grosseiros, terá de voltar ao curso primário. E se quer permanecer católico, e se quer salvar sua alma, deve tomar os catecismos do Pe. Negromonte que ainda se encontram a Cr$ 1,00 por volume. O que deve cuidadosamente evitar é a leitura do franciscano Boff (Leonardo), que nessa matéria, como em todas que abordar, só difunde profusamente no Brasil os relinchos do Cavalo de Tróia. Esse autor, promovido a mestre e a gênio pela CNBB, deveria ser processado e preso, não como herege nem como feiticeiro, mas como culpado de dolo. Faz conferências vendendo o Sangue de Cristo a trinta cruzeiros, não, a trinta dinheiros por cabeça, mas é mais falsário do que Judas porque entrega mercadoria diferente da que vendeu. Até hoje vende catolicismo falsificado. Engana o público por ainda não ter dito que vende uma religião de sua pipa. Onde estarão os bispos católicos?