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Ainda o Quarto Mandamento



Por Gustavo Corção, publicado n’O Globo em 07-07-1973


PEÇO ao leitor a paciência de suportar a insistência com que bato na mesma tecla: o nervo de toda a subversão e de toda a agitação que se observa hoje no mundo católico, especialmente no clero, é o da contestação do mandamento "honrarás pai e mãe".

JÁ em artigo anterior mostramos que este é o eixo da Revolução anticristã que de século em século se avoluma. A frase conhecida de Lacroix: "la democratie est le meurtre du père", aplica-se melhor à Revolução que, desde a Renascença e a Reforma, pretende trazer ao mundo um novo humanismo liberado do cristianismo, e, portanto, voltado contra o cristianismo. Como se não bastasse a contestação de Deus Pai, e o repúdio da tradição e do passado, em favor de um progresso sem entidade idêntica a si mesma é capaz de aperfeiçoar-se sem deixar de ser o que é, ainda inventaram os homens, nas instâncias psicológicas, uma ideia de paternidade opressiva que representasse a consciência moral. E assino, em todos os níveis, a ideia de paternidade é demolida para que o novo homem, filho sem pai, possa realizar sua liberação total.


DENTRO do mundo católico, esse monstro produziu aberrações que nem sempre parecem diretamente ligadas ao grande ideal parricida. Uma dessas aberrações é a frenética promoção d' O JOVEM. À primeira vista parece simpática, otimista e esperançosa essa exaltação da juventude; melhor reflexão, todavia, revela sua falsidade, e então o que parecia auroreal e otimista torna-se lúgubre e até obsceno. Tomemos por exemplo a frase "eu tenho confiança no jovem" de que muito poucos padres e bispos conseguiram escapar. Essa frase parece uma proposição inofensiva, um sorriso, uma amabilidade, uma generosidade; na verdade, porém, é uma frase destituída de sentido e carregada das mais dissolventes conotações. De início a proposição é tola porque o jovem, por definição, é algo que ainda não disse ao que veio e, portanto, é alguém de que só posso dizer que tenho esperanças ou inquietações, conforme os sinais que nele observo. Mas dizer que tenho arrematada confiança em quem ainda não deu provas, é dizer um non-sense. A rigor, dos jovens e aos jovens, só podemos dizer com propriedade e sinceridade que cresçam e apareçam.


COM verdadeiro amor só posso dizer aos moços que não tenham tanta jactância de suas imaturidades e que cuidem diligentemente de aprender duas coisas. Primeira — agradecer a Deus e aos homens o que encontraram feito: água nas bicas e no mar, frutos nas árvores e no prato. O primeiro sinal que me predisporá a ter confiança num moço será essa disposição de agradecer. O segundo será a visível disposição de continuar e prolongar o que encontrou.


ORA, a adulação, com que os padres progressistas cercam os moços, só pode produzir o resultado oposto a essas duas virtudes; sim, só pode produzir a fatuidade e a soberba.


PARA agradar ao semi-deus moderno os padres progressistas não recuam diante das mais ousadas iniciativas. Uma delas é a de promoção de encontros em que se misturam, com forte densidade, os jovens dos dois sexos.


PODE à primeira vista parecer que esses encontros visam principalmente a destruir os tabus do sexto mandamento. Também isto entra nas cogitações dos aduladores de jovens, mas o principal objetivo visado é sempre o Pai. O Pai da terra e o Pai do Céu.


A EXALTAÇÃO da autonomia dos jovens tende evidentemente a mostrar que qualquer acão normativa e educadora é contrária à liberação do jovem, e portanto, é contrária ao espírito da nova Igreja, e do mundo novo. Num mundo em que os padres têm horror à paternidade e pervertem os moços tranquilizando-os e estimulando-os na soberba e na jactância, é fácil prever o desamparo em que ficam os educadores. Em si nunca tal tarefa foi isenta de espinhos. Daí a insistência com que Deus revelou a necessidade de defender essa linha. Dificílima, porém, se tornará a tarefa quando a sociedade em torno da família conspira contra os pais; e ainda mais árdua se torna quando, além de faltar o socorro da Igreja, os padres trabalham sofregamente na perversão da juventude. Os pais, transtornados, perdem o pé, e então o antipai triunfa e aponta-o como clara demonstração de impotência e inutilidade. Acelerado o círculo vicioso chegasse ao ponto em que se torna impossível educar.


NUMA sociedade assim pervertida os jovens serão "os únicos juízes de seus atos", como diz com toda ênfase e garbo um dos catecismos aprovados neste País pelas autoridades eclesiásticas que querem corrigir as distorções sócio-econômicas das regiões menos favorecidas, mas não mostram nenhum empenho em evitar que os jovens sejam pervertidos por padres revolucionários.


E AQUI torno a dizer que não ponho o acento tônico dessa perversão no 6º, e sim no 4º mandamento. Os desvios do 6° mandamento podem-se explicar por fraquezas sensíveis que estão na linha da natureza das coisas; mas os desvios do 4° mandamento são obra de um espírito de orgulho que está na origem de todos os desconcertos do mundo.


É HORRÍVEL o espetáculo que o mundo católico, na área dita progressista, nos proporciona hoje. E a consequência não se faz esperar. Sim, senhores bispos, é preciso ter sempre em mente que as coisas têm consequências. Se os jovens são arrancados à autoridade dos pais, cedo ou tarde terão de esbarrar em outro tipo de autoridade mais áspero. Tornados viciados, indisciplinados, revoltados, e eventualmente arrastados pelos agentes da subversão até a ação direta do terrorismo, os mesmos jovens adulados e taramelados pelos ávidos padres terão de esbarrar na repressão policial que é bastante mais dura do que os pitos e conselhos do papai.


EU NÃO chego a dizer que os padres progressistas: promotores de jovens tenham desde o início o desejo de transformar seus amiguinhos em criminosos, mas não hesito em pensar que é isto, precisamente, que o Demônio espera desses padres.


E AGORA leio nos jornais que os senhores bispos da América Latina concluíram que, para a restauração da família, é necessário que os pais entrem em diálogo com os filhos. Sim, diálogo, conversa, tolerância, mas não palavra de Pai amoroso que quer o bem de seu filho. Para esse tipo de relacionamento entre Pai e Filho não podemos contar com as reuniões episcopais.

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