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Anexo documental - D. Castro e D. Lefebvre



Em 21 de novembro de 1983, Dom Antônio de Castro Mayer assinou em companhia de Dom Lefebvre uma Carta ao Papa com um anexo que expunha as causas principais da «dramática situação» eclesial. Reproduzimos o anexo para que se meça o valor do "bom combate" empreendido por estes dois bispos católicos, e para demonstrar que tal "dramática situação" não só perdura até hoje mas se agravou. Por isso não podemos deixar de nos fazer a mesma pergunta (que ficou sem resposta) de um jornalista brasileiro: «Como se explica que já não tenha razão de ser a divisão entre o clero formado por Dom Antônio de Castro Mayer e a "igreja conciliar"?»


«ANEXO DOCUMENTAL»


I. Concepção “latitudinarista” e ecumênica da Igreja.


A concepção da Igreja como “povo de Deus” se encontra já em numerosos documentos oficiais.


Desta concepção emana um significado latitudinarista e um ecumenismo falso.


Alguns fatos patenteiam tal concepção heterodoxa: as autorizações para construir salas destinadas ao pluralismo religioso; a edição de Bíblias ecumênicas, que já não são conformes à exegese católica; as cerimônias ecumênicas, como a de Cantuária.


Na Unitatis Redintegratio se ensina que a divisão dos cristãos «é motivo de escândalo para o mundo e obstaculiza a pregação do Evangelho a todos os homens... que o Espírito Santo não despreza o servir-se das outras religiões como instrumento de salvação». O mesmo erro se repete no documento Catechesi tradendae de João Paulo II. Na mesma linha, e com afirmações contrárias à fé tradicional, João Paulo II declara na catedral de Cantuária, em 25 de maio de 1982, «que a promessa de Cristo nos leva a confiar em que o Espírito Santo deterá as divisões introduzidas na Igreja já depois de Pentecostes»; como se nunca se tivesse dado na Igreja a unidade de credo.


O conceito de “povo de Deus” induz a crer que o protestantismo não é mais que uma forma particular da mesma religião cristã.


O concílio Vaticano II proclama «uma autêntica união no Espírito Santo» com as seitas heréticas (Lumen Gentium, 14), «certa comunhão com elas, se bem que imperfeita ainda» (Unitatis Redintegratio, 3).


Esta unidade ecumênica contradiz a encíclica Satis Cognitum de Leão XIII, que ensina que «Jesus não fundou uma Igreja que abraça várias comunidades que se assemelham genericamente, mas que são diferentes e não se acham ligadas por um vínculo que forme uma igreja única». Tal unidade ecumênica é contrária também à encíclica Humani Generis de Pio XII, que condena a idéia de reduzir a mera fórmula a necessidade de pertencer à Igreja Católica; é contrária igualmente à encíclica Mystici Corporis do mesmo Papa, que condena a concepção de uma Igreja «pneumática», a qual constitui, segundo a dita concepção, o laço invisível entre as comunidades separadas na fé. Tal ecumenismo é contrário igualmente aos ensinamentos de Pio XI na encíclica Mortalium Animos: «Sobre este ponto é oportuno expor e rejeitar certa opinião falsa que está na raiz do problema supramencionado e desse movimento complexo com o que os acatólicos se esforçam por realizar uma união entre as igrejas cristãs. Os que aderem a tal opinião têm sempre na boca as palavras de Cristo: ‘... que todos sejam um...; ...e haverá um só rebanho e um só pastor’ (Jo 17, 21; 10, 16); e pretendem que com tais palavras Cristo expressa um desejo ou uma prece que nunca se realizou. De fato, pretendem que a unidade de fé ou de governo, que constitui uma das notas da verdadeira Igreja de Cristo, não existiu praticamente até o dia de hoje, e que ainda agora continua não existindo».


Esse ecumenismo, condenado pela moral e pelo direito canônico, chega a permitir que os Sacramentos da Penitência, da Eucaristia e da Extrema-Unção se recebam de «ministros acatólicos» (cânon 844 do código novo), e favorece «a hospitalidade ecumênica» ao autorizar os ministros católicos a administrar o sacramento da Eucaristia aos acatólicos.

Tudo isso é abertamente contrário à revelação divina, que prescreve a «separação» e rejeita a mistura «entre a luz e as trevas, entre o fiel e o infiel, entre o templo de Deus e o das seitas» (II Cor 6, 14-18).


II. Governo colegial-democrático da Igreja


Depois de ter arruinado a unidade da fé, os modernistas contemporâneos se esforçam para livrar-se tanto da unidade de governo como da estrutura hierárquica da Igreja.

A doutrina, já sugerida pelo documento Lumen Gentium do Concílio Vaticano II, será recolhida explicitamente pelo novo código de direito canônico ao ensinar que o colégio dos bispos unido ao Papa goza igualmente do poder supremo, e isso de modo habitual e constante (cânon 336).


Esta doutrina do duplo poder supremo é contrária ao ensinamento e à prática do Magistério eclesiástico, especialmente no concílio Vaticano I (Denz. 3055) e na encíclica de Leão XIII Satis Cognitum: só o Papa goza de tal poder supremo, que comunica na medida em que o considera oportuno e em circunstâncias extraordinárias.


A este grave erro se liga a orientação democrático-eclesial, que faz residir o poder no «povo de Deus», como o ratifica o direito novo. Tal erro jansenista é condenado pela bula Auctorem Fidei de Pio VI (Denz. 2602).


A tendência a fazer participar a «base» no exercício do poder, se reconhece na instituição do sínodo [permanente dos bispos] e das conferências episcopais, dos conselhos presbiterais e pastorais, e na multiplicação das comissões romanas e nacionais, bem como das que há no seio das congregações religiosas (veja-se a respeito o concílio Vaticano I, Denz. 3061 — Novo Código de Direito canônico, cânon 447).


A degradação da autoridade na Igreja é a fonte da anarquia e da desordem que reinam hoje por toda a parte.


III. Os falsos direitos naturais do homem


A declaração Dignitatis Humanae do concílio Vaticano II afirma a existência de um falso direito natural do homem em matéria religiosa, contrariamente aos ensinamentos pontifícios que negam formalmente tamanha blasfêmia.


Assim, Pio IX na encíclica Quanta Cura e no Syllabus, Leão XIII nas encíclicas Libertas Praestantissimum e Immortale Dei, Pio XII no discurso Ci Riesce aos juristas italianos negam que a razão ou a revelação fundamentem semelhante direito.


O Vaticano II crê e professa de maneira absoluta que «a verdade não pode impor-se senão com a força própria da verdade», o que se opõe formalmente aos ensinamentos de Pio VI contra os jansenistas do concílio de Pistóia (Denz. 2604). O concílio Vaticano II chega ao absurdo de afirmar o direito a não aderir à verdade nem segui-la: o direito a obrigar os governos civis a já não fazer discriminações por motivos religiosos, estabelecendo a igualdade jurídica entre a religião verdadeira e as falsas.


Tais doutrinas se fundam em um conceito falso da dignidade humana, que deriva dos pseudofilósofos da Revolução Francesa, agnósticos e materialistas, os quais foram condenados no passado por São Pio X no documento pontifício Notre Charge Apostolique.

O Vaticano II prognostica que da liberdade religiosa nascerá uma era de estabilidade para a Igreja. Gregório XVI, em contrapartida, reputa por desfaçatez suma afirmar que a liberdade imoderada de opinião seria benéfica para a Igreja.


O Concílio expressa um princípio falso na Gaudium et Spes ao considerar que a dignidade humana e cristã deriva do fato da Encarnação, a qual restaurou essa dignidade em beneficio de todos os homens. O mesmo erro se afirma na encíclica Redemptor Hominis de João Paulo II.


As consequências do reconhecimento, por parte do Concílio, deste falso direito do homem destroem os fundamentos do reinado social de Nosso Senhor, arruínam a autoridade e o poder da Igreja em sua missão de fazer reinar Nosso Senhor nos espíritos e nos corações combatendo as forças satânicas que subjugam as almas. Ao espírito missionário, por conseguinte, acusá-lo-ão de proselitismo exagerado.


A neutralidade dos Estados em matéria religiosa é injuriosa para Nosso Senhor e para sua Igreja quando se trate de Estados de maioria católica.


IV. Uma concepção errônea do poder do Papa


Certamente, o poder do Papa na Igreja é um poder supremo, mas não pode ser absoluto nem ilimitado, dado que está subordinado ao poder divino, que se expressa na Tradição, na Escritura Sagrada e nas definições promulgadas pelo Magistério eclesiástico (Denz. 3116).


O poder do Papa está subordinado ao fim para o qual lhe foi conferido, e limitado por este. Tal fim é definido claramente pelo Papa Pio IX na constituição Pastor Aeternus do concílio Vaticano I (Denz. 3070). Seria um abuso de poder intolerável modificar a estrutura da Igreja e pretender apelar para o direito humano contra o direito divino, como se faz na liberdade religiosa, na “hospitalidade” eucarística autorizada pelo direito novo, na afirmação de dois poderes supremos na Igreja.


Salta aos olhos que, nestes casos e em outros semelhantes, é um dever para todo e qualquer sacerdote e para todo e qualquer fiel católico resistir e negar obediência. A obediência cega é uma absurdidade, pois ninguém está isento de responsabilidade por ter obedecido aos homens antes que a Deus (Denz. 3115), ao passo que a resistência em questão deve ser pública se o mal é público e constitui motivo de escândalo para as almas (Suma Teológica II-II, q. 33, a. 4).


São princípios elementares de moral que regulam as relações dos súditos com todas as autoridades legítimas.


Por outro lado, esta resistência acha uma confirmação no fato de que há tempo só são penalizados os que se atêm firmemente à Tradição e à fé católica, ao passo que não são molestados os que professam doutrinas heterodoxas ou cometem autênticos sacrilégios: é a lógica do abuso de poder.


V. Concepção protestante da missa


A nova concepção da Igreja, a julgar pela definição que deu dela o Papa João Paulo II na constituição preliminar do Novo Código de Direito Canônico, comporta uma mudança no ato principal da Igreja, integrado pelo sacrifício da missa. A definição da nova eclesiologia define com exatidão a nova missa: um serviço e uma comunhão colegial ou ecumênica. Não se pode definir melhor a nova missa, a qual, como a nova ‘igreja’ conciliar, rompe abertamente com a Tradição e o Magistério da Igreja.


Trata-se de uma concepção mais protestante que católica, e que explica tanto tudo o que se exaltou indevidamente quanto o que se diminuiu. Contrariamente aos ensinamentos do concílio de Trento na sessão XXII, contrariamente à encíclica Mediator Dei de Pio XII, exagerou-se o papel dos fiéis na hora de participar da missa e rebaixou-se o do presbítero, reduzido a mero presidente; exagerou-se o papel da liturgia da palavra e diminuiu-se a importância do sacrifício propiciatório; exaltou-se a ceia comunitária, secularizando-a — tudo isso à custa da fé na presença real operada pela transubstanciação e do respeito devido a ela, ao passo que com a supressão da língua sagrada se pluralizaram os ritos até ao infinito, profanando-os com acréscimos mundanos ou pagãos, e difundiram-se traduções falsas, em detrimento da fé verdadeira e da piedade autêntica dos fiéis.


E, no entanto, os concílios de Florença e de Trento haviam anatematizado todas essas mudanças e afirmado que o cânon da missa remontava aos tempos apostólicos. Os Papas São Pio V e Clemente VIII insistiram na necessidade de evitar alterações e mudanças, conservando perpetuamente este rito romano consagrado pela tradição.


A dessacralização da missa, sua “secularização” preparam a “secularização” do sacerdócio ao modo protestante.


A reforma litúrgica de corte protestante é um dos maiores erros da igreja conciliar, e uma das mais daninhas para a fé e a moral.


A situação da Igreja, posta em estado de busca, introduz na prática o livre exame protestante, resultado da pluralidade de “credos” no seio da Igreja.


A supressão do Santo Ofício, do Índex, do juramento antimodernista suscitaram nos teólogos modernos uma necessidade de novas teorias, que desorientam os fiéis e os empurram para o movimento carismático, o pentecostalismo, as comunidades de base... É uma autêntica revolução, dirigida francamente contra a autoridade de Deus e da Igreja.


Os graves erros modernos, condenados constantemente pelos Papas, desenvolvem-se agora sem travas no seio da Igreja:

1. As filosofias modernas, antiescolásticas, existencialistas, antiintelectualistas, são ensinadas nas universidades católicas e nos seminários maiores. 2. O humanismo é favorecido pela necessidade das autoridades eclesiásticas de fazer eco ao mundo moderno e considerar ao homem o fim de todas as coisas. 3. O naturalismo — a exaltação do homem e dos valores humanos — faz esquecer os valores sobrenaturais da redenção e da graça. 4. O modernismo evolucionista causa a rejeição da Tradição, da Revelação, do Magistério de vinte séculos. Já não existem verdades imutáveis nem dogmas. 5. O socialismo e o comunismo: a negativa por parte do concílio a condenar estes erros foi escandalosa e induziu a crer com toda a razão do mundo que hoje o Vaticano é favorável a um socialismo ou a um comunismo mais ou menos cristão. A atitude da Santa Sé durante estes últimos quinze anos, tanto além como aquém da cortina de ferro, confirma esta crença.


Por fim, os acordos com a maçonaria, com o conselho ecumênico das igrejas e com Moscou reduzem a Igreja ao estado de prisioneira, fazem-na de todo incapaz de cumprir livremente sua missão. Trata-se de autênticas traições que clamam vingança ao céu, como os elogios tributados nestes dias ao heresiarca mais escandaloso e mais nocivo para a Igreja: Lutero.


É hora de a Igreja recuperar a liberdade de realizar o reino de Nosso Senhor Jesus Cristo e o reino de Maria sem se preocupar com seus inimigos».

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