Por Gustavo Corção, publicado n’O Globo em 18-06-77;
NÃO FOSSE A GRAVIDADE dos valores envolvidos, eu não voltaria a interpelar o velho escritor que anos atrás (cem? mil?) tive por companheiro de luta e por correligionário, e que hoje se coloca decididamente e obstinadamente no quadrante de idéias e valores opostos aos mais altos interesses da Pátria e da Igreja. O artigo publicado com o título Mocidade em Ação no J.B. de 27 de maio constitui uma verdadeira provocação, e se presta a reparos que tentarei colocar em termos do mais sereno senso comum. Eis como se exprime Tristão de Athayde:
“A PRESENTE AGITAÇÃO da mocidade universitária, longe de ser, como querem fazer crer as autoridades políticas ou educativas, uma consequência da “infiltração comunista” em nossa mocidade, é principalmente o fruto do regime de mordaça que um falso autoritarismo vem impondo à nossa juventude. Por isso mesmo considero essa agitação, para mim surpreendente, como um sinal de vitalidade e de esperança, de que, confesso, já começava a descrer”.
ATÉ AQUI FALOU Tristão de Athayde na sua coluna do J.B.
AGORA NOSSO PRIMEIRO REPARO: Observe bem o leitor que não é nossa a qualificação do movimento estudantil, evidentemente provocado por líderes menos jovens: é o próprio Tristão de Athayde que, no trecho citado, mais de uma vez o chama de “agitação”. Ora, aqui entre nós, profissionais da palavra escrita, e já beneficiados por prêmios que se supõem motivados pelo bom uso que fizemos de nossos dons, a propriedade do termo é um ponto de honra. Não podemos começar nosso testemunho cívico pelo mau uso da palavra, e ainda menos pelo involuntário bom uso do termo próprio em chocante contraste com a intenção geral expressa no contexto. O escritor Tristão de Athayde está gostosamente surpreendido com o movimento estudantil de que já desesperançava, aplaude-o, elogia-o, mas dá-lhe o nome de “agitação da mocidade universitária”. Ora, o termo agitação – que nós escolheríamos cuidadosamente para bem caracterizar o fenômeno – conota imediatamente as idéias de desordem e de irracionalidade. Aplicado ao caso, o termo diz que os pobres moços se entregaram a um vai e vem desordenado sem nenhum deles saber aonde vai e o que quer. Agitam-se, falam frases entrecruzadas, vão e vêm, marcam encontros que melhor se chamariam desencontros. Ou agitações.
SE EU QUISESSE ELOGIAR um movimento coletivo de jovens ou velhos jamais diria que esse movimento, levante, alzamiento, protesto ou lá o que fosse, era uma agitação. Esse termo depreciativo bem realça a imaturidade dos participantes de tal movimento. E se acaso o termo se impusesse em razão da imaturidade dos “agitados”, jamais me ocorreria a idéia de colocar minhas esperanças humanas, primeiras ou últimas em tão irracional desordem de imaturos.
NO SEU ARTIGO JÁ VELHÍSSIMO (duas ou três semanas!) e já caído no esquecimento de um mundo apressado e desmemoriado, Tristão de Athayde prossegue mais adiante:
“E POR ISSO QUE SAÚDO essas agitações universitárias em todo o país como um sintoma de que nem tudo está perdido e a mocidade brasileira de hoje é fiel às tradições da mocidade de outrora. Na esperança de que continuemos a crer, não propriamente em uma revolução etária, que seria inócua e contraproducente, mas na pressão sadia e constante que essas manifestações generalizadas possam exercer sobre as forças capazes, no âmbito da própria estrutura dominante, de abrir os olhos dos cegos e os ouvidos dos surdos. Se essa agitação, porém, for reprimida pela força, então só há um dilema para o futuro das novas gerações. Ou o conformismo apático, em que os jovens serão velhos cada vez mais cedo. Ou uma clandestinidade de sacrifício improfícuos, que só retardarão a saída do túnel”.
ESSE ESTRANHO DILEMA servido à la minute torna ainda mais obscuras do que nunca as idéias do escritor Tristão de Athayde. Sinceramente, não consigo entender a sombria obstinação que o leva a não deixar para os moços universitários outra alternativa senão a da agitação; e para nosso pobre Brasil outra saída fora da capitulação diante da revolução anarco-socialista.