E a Terra não parou
de Márcio
Tenha certeza o leitor de que ponderamos bastante antes de escrever este artigo, porque sabemos bem que a matéria é delicada e alguns procurarão levantar escândalo. No entanto, a culpa do escândalo é de quem o provoca. O que não podemos é permitir que tantas pessoas sejam levadas pela mentira. A verdadeira paz somente pode ser fruto da justiça (Is 32,17). Uma “paz” mantida às custas da mentira não pode ser duradoura. Quem quiser argumentar que é melhor ficar em silêncio para apaziguar Dom Fellay estaria assumindo que da mentira se poderia tirar proveito para a paz. Com isto jamais poderemos concordar.
A propaganda dos que defendem Dom Fellay continua forte e agressiva, como sempre. Dom Lourenço, para nossa profunda decepção, escreveu um artigo repleto de equívocos e insultos. Portanto, passamos agora a refutá-lo. A refutação não é completa pois, se fôssemos nos preocupar com todos os pontos, teríamos de escrever quase um livro. Por isso, nos ativemos ao que era mais importante, e também o suficiente para desfazer as mentiras mais graves. Mesmo assim, o artigo ficou muito maior do que o desejável. Infelizmente, não havia outra forma de contestar a tantos erros.
Vou repetir aqui a refutação do único ponto que já havia sido refutado em outro artigo a fim de que este não fique incompleto, pelo menos quanto aos pontos mais importantes.
As seis condições
O Capítulo Geral da FSSPX, de Julho de 2012, definiu seis condições para um acordo com Roma, sendo as três primeiras necessárias e as demais apenas desejáveis.
Algumas pessoas comemoraram o fato afirmando que estas condições seriam suficientes para impedir que a FSSPX caísse na mesma armadilha em que caíram todos os outros grupos tradicionais que assinaram acordos com Roma. Dom Richard Williamson, em seu Comentário Eleison 268, demonstrou o erro destas pessoas. Apesar de toda clareza utilizada pelo bispo, ele foi asperamente acusado por Dom Lourenço de ter deturpado o texto do Capítulo Geral. Vamos analisar detidamente os textos para concluir quem está dizendo a verdade.
A primeira condição é a liberdade da FSSPX para ensinar a imutável verdade da Tradição Católica e criticar abertamente os responsáveis pelos erros do modernismo, liberalismo e do Vaticano II.
Vamos ler exatamente o que Dom Lourenço escreveu em acusação a Dom Williamson relativamente à primeira condição:
Em seu Comentário Eleison 268, Dom Williamson deturpa o texto dessas condições. Para o leitor distraído, o bispo parece ter razão, pois os verbos usados por ele, junto com suas explicações, tornam o texto das condições inaceitáveis.
No longer “Rome must convert because Truth is absolute”, but now merely “The SSPX demands freedom for itself to tell the Truth.” Instead of attacking the Conciliar treachery, the SSPX now wants the traitors to give it permission to tell the Truth ? “O, what a fall was there !”
O advérbio “merely” obriga a tradução de “demands” por “pede”. Isso porque, se a tradução de Mons. Williamson fosse “exige”, não caberia dizer que a Fraternidade “apenas” exige. Isso vem confirmado pelo “wants the traitors”. Em português, ficaria assim:
Já não é mais “Roma que deve converter-se porque a Verdade é absoluta”. Mas agora apenas a Fraternidade pede a liberdade para ela mesma dizer a Verdade. Em vez de atacar a traição Conciliar, a Fraternidade SPX solicita agora aos traidores que deem permissão de dizer a Verdade. Ah! Que queda foi essa?”
Ora, o texto francês da carta não diz isso! É diferente dizer “s´impose… reclame”, de dizer “pede, solicita”. Francamente, o pior cego é o que não quer ver. A malícia do texto é patente!
A conclusão de Dom Lourenço é clara: ele acusa abertamente Mons. Williamson de malícia patente e de deturpar o texto que analisava. O “pequeno” problema é que a deturpação quem fez foi Dom Lourenço.
Tudo gira em torno da tradução que ele escolheu para o verbo inglês “to demand”. Para Dom Lourenço, este verbo deveria ser traduzido por “pedir”, porque alguém pode “apenas pedir”, mas não pode “apenas exigir”. E, como o texto original, em francês, usava o equivalente a “exigir”, logo, Dom Williamson seria um falsificador, deturpador, rebelde que induz as pessoas com o inocente superior geral.
Este foi o esboço de raciocínio que Dom Lourenço tentou fazer. Vamos mostrar onde está o erro dele.
Quem lê o texto todo de Dom Williamson, percebe que ele está confrontado a visão de Dom Lefebvre com a atual de Dom Fellay. Por isto, ele coloca entre aspas os textos de cada um deles. Dom Lourenço conseguiu, em sua interpretação, colocar o advérbio “merely” dentro da segunda frase, o que não estava no texto original. Ora, o texto de Dom Wiliamson só pode ser entendido com a comparação entre as duas frases: “Roma deve se converter porque a Verdade é absoluta” e “A FSSPX exige liberdade para ela mesma dizer a Verdade”. Fica claríssimo, para qualquer pessoa com o mínimo de boa vontade, que a primeira frase é muito mais exigente que a segunda. Os destaques, que existem no texto de Dom Williamson mas que foram retirados da citação feita por Dom Lourenço, enfatizam este contraste. Antes se lutava para que as autoridades romanas se convertessem mas, agora, Dom Fellay “exige apenas”, como condição para um acordo, que a própria FSSPX possa dizer a verdade. Como se percebe, o verbo usado por Dom Williamson continua sendo “exigir”, tal como o texto que cita e, portanto, não houve nenhuma falsificação da parte dele. Será que Dom Lourenço não consegue entender que alguém pode exigir muita coisa ou “exigir apenas” um pouco? E que diferença faz a posição do advérbio! O joguinho de palavras que ele fez é tão ridículo que um aluno de ensino médio consegue facilmente desmascarar. E o pior é que foi usado para insultar um nobre e digno defensor da Fé.
Tudo o que ficou dito fica muito claro ao se ler o parágrafo todo em que Mons. Williamson compara a posição de Dom Lefebvre e a Dom Fellay:
The first “essential requirement” is freedom for the Society to teach the unchanging truth of Catholic Tradition, and to criticize those responsible for the errors of modernism, liberalism and Vatican II. Well and good. But notice how the Chapter’s vision has changed from that of Archbishop Lefebvre. No longer “Rome must convert because Truth is absolute”, but now merely “The SSPX demands freedom for itself to tell the Truth.” Instead of attacking the Conciliar treachery, the SSPX now wants the traitors to give it permission to tell the Truth ? “O, what a fall was there !”
Dom Lourenço acusa, gravemente, Dom Williamson de ter usado de “malícia patente”. E faz esta acusação grave baseado na tradução que ele escolheu para as palavras do bispo. Tradução esta extremamente forçada e sem sentido, que demonstra a má vontade de Dom Lourenço. Admire-se o leitor, mas esta foi a única vez, em todo seu longo artigo, que Dom Lourenço utilizou realmente as palavras de Dom Williamson. Em todo o resto, abundaram os insultos e faltou qualquer menção às palavras do bispo. Demonstraremos a seguir como as críticas do bispo às demais condições também são válidas.
Sobre a segunda condição, Dom Lourenço escreveu um único parágrafo:
A segunda condição exige o uso exclusivo da liturgia da missa e dos sacramentos de 1962, no sentido de escapar, igualmente, da armadilha imposta aos demais, quando o Vaticano, após 3, 7 ou 10 anos de acordo, exigiu a missa nova e o bi-ritualismo. Não! A Fraternidade não aceita a nova liturgia, como não aceita a nova teologia.
A FSSPX não aceita a nova liturgia. Ótimo. Mas, os outros institutos que fizeram acordos aceitavam? A resposta é: não! Assinaram os acordos acreditando que seriam respeitados. E mesmo assim, depois de alguns anos, viram-se traídos por aquelas autoridades em que confiaram. Vejam o caso da Fraternidade São Pedro, que teve seu superior geral, legitimamente eleito, trocado por outro liberal. Vejam o caso recente do Instituto do Bom Pastor, que também foi instado a celebrar a missa nova e a aceitar as novidades conciliares. Quando o IBP foi criado, o superior geral, Pe. Laguérie comemorava da seguinte forma:
É formidável. É formidável e exaltante. Nós realmente agradecemos às autoridades que nos permitiram realizar isto. Você me dirá… mas houve compromissos? Não, você vê bem: sobre a liturgia, nenhum compromisso, sobre a doutrina, nenhum e ainda menos, se eu posso dizer.
[C’est formidable. C’est formidable et exaltant. Nous remercions vraiment les autorités qui nous ont permis de réaliser cela. Vous me direz… mais il y a eu des compromissions ? Eh bien non, vous avez bien vu : sur la liturgie, aucune, sur la doctrine, aucune et encore moins, si je puis dire.]
No entanto, no último mês de Abril, Mons. Guido Pozzo escreveu uma carta ao Pe. Laguérie incitando-o a aceitar tudo aquilo para o que o IBP teria sido criado para combater. Ele expressa com todas as letras que não deve haver exclusividade do rito tridentino. Então, de que servem promessas de que haverá liberdade para a Missa Trindentina quando a missa nova é imposta como obrigatória? Mesmo que demorem alguns anos, a imposição de Roma sempre vem. Além da missa, houve também a exigência de que o IBP se integrasse nos ensinamentos de seu seminário o Concílio Vaticano II e o magistério pós-conciliar. Então, de que servem as promessas se elas não são cumpridas?
Além desta imposição forçada da missa nova, outra estratégia mais sutil está sendo armada pelos modernistas. E esta armadilha sutil é o “rito misto” ou, como o chamam sofisticamente, “o enriquecimento mútuo” dos dois ritos, o Tridentino e o Novus Ordo. Como se juntado água limpa com água suja se pudesse obter algo de bom. O rito do Novus Ordo é intrinsecamente mal, como o provou o cardeal Ottaviani e tantos outros. Qualquer influência sua sobre o rito Tridentino será sempre uma perda, uma deturpação, uma mutilação, uma perversão do verdadeiro rito da Santa Missa.
Tudo isto faz parte de uma estratégia revolucionária. Quando se progride rápido demais na revolução, é necessário voltar atrás para acalmar os ânimos dos que defendem a ordem. Uma vez aceita a posição intermediária, os revolucionários avançam novamente. Assim, devagar e “dialeticamente”, se vai caminhando sempre na direção da revolução.
Este perigo foi mencionado por Dom Williamson em seu comentário Eleison, porém Dom Lourenço, em sua “refutação” nem sequer o mencionou. Muito menos mencionou os casos históricos em que os tradicionalistas foram traídos e lhes foi imposta a missa nova.
Sobre a terceira condição, Dom Lourenço também escreveu um único parágrafo:
A terceira condição foi criticada por alguns corvos que gralharam nas soleiras e umbrais: “só um?! Porque só um?!” Não percebem as negras e soturnas aves de rapina que não é a quantidade que importa, mas o princípio admitido.
Conseguindo peneirar alguma coisa que não seja ofensa, encontramos a afirmação de que não importa a quantidade de bispos sagrados, mas sim o “ princípio admitido”. Ora, em primeiro lugar, quem crisma os fiéis é o bispo, e não algum “princípio admitido”. Se um único bispo tiver de correr o mundo fazendo as crismas, estaria ele sobrecarregado ou não? E se ele fica enfermo? Dom Lourenço não pensou, ou não quis pensar, nisto. Pior ainda, imaginem se este bispo se desvia da Tradição, como já aconteceu com tantos cansados do combate?
Mas, os mais impressionante é que, no texto de Dom Lourenço, não houve a menor menção à crítica levantada por Dom Williamson sobre esta condição. Dom Williamson, de fato, criticou a condição porque ela não menciona quem iria escolher o bispo da FSSPX. E ainda recordou que, em 1988, os três candidatos indicados por Dom Lefebvre foram rejeitados por Roma. Percebe-se facilmente que a armadilha está pronta. Se forem as autoridades modernistas de Roma que escolherão o bispo, é óbvio que escolherão o mais fraco de todos os padres da FSSPX. Além do que, abusando da fraqueza humana, quem duvida que eles não ofereceriam o episcopado ao primeiro que quisesse trair a FSSPX?
A quarta condição, apenas “desejável”, trata dos tribunais de nulidade matrimonial. A FSSPX possui tribunais em três instâncias, o que garante que todo o processo será realizado dentro de um ambiente tradicional e com respeito às leis da Igreja. A igreja modernista declara nulos casamentos que não são, de forma que não se pode ter confiança em seus julgamentos. Dom Lourenço reconhece a importância destes tribunais, ao ponto de transcrever três artigos: Casamento nulo. Será?; Os tribunais de anulação matrimonial; e Estudo Canônico sobre os Tribunais de Anulação.
o texto da quarta condição diz que é apenas desejável que a FSSPX possua tribunais de primeira instância. Ora, como bem observou Dom Williamson, se os tribunais de instâncias superiores estão nas mãos de Roma, e se estes podem desfazer a decisão do tribunal tradicional, será de nenhum valor a existência deste. A condição é completamente inútil e não será capaz de preservar o casamento tal como acontece atualmente estando todas as instâncias em mãos tradicionais.
A quinta condição apresenta como apenas “desejável” que a FSSPX esteja livre da dependência canônica do bispo diocesano. Sabemos que, na maioria dos casos, o bispo diocesano é um grande adversário da Tradição católica, seja impedindo a Missa Tridentina, seja ensinando o contrário da doutrina e da moral católicas, seja apoiando abertamente os inimigos da Igreja. A independência deste bispo, na maioria dos casos, é condição impreterível para qualquer apostolado verdadeiramente católico. Colocar a FSSPX na dependência do bispo diocesano é desnaturalizar todo o vigor que ela possui na cura das almas mais desamparadas pelo clero modernista. Como já expressamos em outra oportunidade, é exatamente nos locais mais infestados de modernistas, onde os fiéis têm maior necessidade, é que a FSSPX pode atender os casos em que os bispos impedem o apostolado tradicional. Se este apostolado passar a depender do bispo, já estará no mesmo nível de todos os Ecclesia Dei, que só “protegem” as ovelhas na medida em que o senhor lobo permite. Tanto mais grave é a situação, quanto o próprio Dom Fellay admitiu que até a abertura de novos priorados iria depender da aprovação do bispo diocesano. E tem gente que ainda não quer enxergar que estão colocando veneno nas raízes da FSSPX…
A sexta condição, apenas “desejável”, é a criação de uma Comissão dependente diretamente do papa, com presidência e maioria da Tradição, para tratar dos assuntos relativos à Tradição. O que Dom Williamson objeta é que esta comissão estaria sob dependência do papa. Em uma situação normal, todos os católicos devem estar sob a dependência do papa. Porém, como lembrou o bispo, os papas pós-conciliares são grandes liberais. E os grandes teólogos da Igreja nos ensinam que, quando um papa se afasta da doutrina, não lhe devemos obedecer. Citemos apenas uns poucos:
São Roberto Belarmino: “Assim como é lícito resistir ao pontífice que agride o corpo, assim também é lícito resistir ao que agride as almas, ou que perturba a ordem civil, ou, sobretudo, àquele que tentasse destruir a Igreja. Digo que é lícito resistir-lhe não fazendo o que ordena e impedindo a execução de sua vontade” (De Rom. Pont. “ , Lib. II, c. 29).
Suarez: “ Se (o Papa) baixar em ordem contrária os bons costumes, não se há de obedecer-lhe; se tentar fazer algo manifestamente oposto à justiça e ao bem comum, será lícito resistir-lhe (…)” (De Fide, dist. X, sect. VI, no 16).
Cardeal Journet: “Quanto ao axioma “Onde está o Papa está a Igreja”, vale quando o Papa se comporta como Papa e chefe da Igreja; caso contrário, nem a Igreja está nele, nem ele está na Igreja (Caietano, II-II, 39,1)” (L’Elglise du verbe Incarne”, vol. II, pp. 839-840).
Guido de Vienne (futuro Calixto II), São Godofredo de Amiens, Santo Hugo de Grenoble e outros Bispos reunidos no Sínodo de Vienne (1112) enviaram ao papa Pascoal II as decisões que adotaram, escrevendo-lhe ainda: “Se, como absolutamente não cremos, escolherdes uma outra via, e vos negardes a confirmar as decisões de nossa paternidade, valha-nos Deus, pois assim nos estareis afastando de vossa obediência” (Citado por Bouix, “ Tract. De Papa”, tom. II, p. 650).
As citações foram retiradas do livro “A missa nova, um caso de consciência”.
Logo, o escândalo farisaico que alguns poderiam levantar contra a objeção de Dom Williamson, não tem sentido, dadas as condições atuais em que vivemos, sob papas liberais. Acreditar que o papa que “beatificou” João Paulo II, convoca encontros ecumênicos como o de Assis III, visita templos das falsas religiões, silenciou a mensagem de Fátima, perseguiu Dom Lefebvre, teve e tem péssimos amigos, teve e tem ideias heterodoxas, escolhe bispos e cardeais modernistas, etc, vai fazer o bem para os tradicionalistas que se colocarem sob sua dependência é viver na mais completa alienação.
Dom Lourenço passou longe de toda esta argumentação. De fato, tudo o que ele fez foi afirmar que as três condições desejáveis “são importantes e também afastam os entraves encontrados [pelos Ecclesia Dei]”. Afirmação gratuita que, como vimos, não correspondem de forma alguma à realidade.
O acordo entre o lobo e a ovelha
Todas as seis condições foram devidamente refutadas por Dom Williamson, mas Dom Lourenço somente citou as palavras do bispo na primeira condição, e ainda assim, deturpando-lhes totalmente o sentido, como provamos acima. Nas outras, o pseudoargumento de Dom Lourenço foi apenas o de que “é impossível que Roma aceite sem uma verdadeira conversão”. Além do escândalo com o que ele tenta intimidar quem pensa diferente:
Salta aos olhos de qualquer fiel medianamente conhecedor da crise da Igreja que essas condições evitam, previamente, as armadilhas postas contra os institutos que já fizeram acordos.
É muito simples rebater. Pois, em todos os acordos prévios, os tradicionais acreditavam que seriam respeitados e, no entanto, a Roma modernista simplesmente os atropelou. Aliás, é como o próprio Dom Lourenço escreveu no ano de 2001, não somente na Internet com em um livro impresso, que eu mesmo o tenho. Então, para que servem acordos que são rasgados unilateralmente? Servem para destruir o fraco, que aceita assinar este acordo.
A situação é muito grave e não podemos fechar os olhos para o perigo destas condições em que tantos estão colocando as esperanças.
Estamos pedindo demasiado?
Nós também queremos a paz, mas a paz verdadeira, que é fruto da justiça (Is 32,17). Não queremos a “pax romana”, imposta tiranicamente. Querem a paz? Então vamos desfazer as mentiras e as injustiças. Vamos voltar à condição para o acordo que havia sido estabelecida por Dom Lefebvre: a verdadeira conversão das autoridades romanas.
Esta condição havia sido definida como necessária no Capítulo Geral da FSSPX em 2006:
Se, uma vez isto realizado, a Fraternidade espera a possibilidade de manter discussões doutrinárias, é ainda com a finalidade de fazer ressoar com mais força, dentro da Igreja, a voz da doutrina tradicional. De fato, os contatos que ela mantém esporadicamente com as autoridades romanas tem por único fim de ajudá-las a se reaproximar da Tradição que a Igreja não pode renegar sem perder sua identidade, e não numa procura de vantagens pessoais para ela própria, ou de chegar a um impossível “acordo” puramente prático. No dia em que a Tradição recuperará todos os seus direitos, “a questão da reconciliação não terá mais razão de ser e a Igreja terá encontrado uma nova juventude”. [Carta de 02 de julho de 1988 de Dom Lefebvre para João Paulo II]
Logo, não estamos inventado nada. Somente queremos a garantia de que não irão jogar a FSSPX na boca do lobo modernista. Se não tivesse havido a desgraçada mudança de objetivos da liderança da FSSPX, não estaríamos passando por toda esta crise. Está muito claro que não houve a conversão das autoridades romanas, então não havia o menor motivo para se pensar em acordo na situação atual.
O que é que nós estamos pedindo demais? Nada! Queremos apenas agir com segurança. O dia em que pudermos “regularizar” a situação sem colocar a Fé em perigo, nós o faremos. Aqueles que dizem “ou regularizam agora ou nunca mais”, carecem totalmente de Fé. Dom Fellay acusava os anti-acordo de não ter a Fé sobrenatural. Ora, são os acordistas que a não tem.
Ou alguém prefere “lançar a sorte” em uma questão tão grave? Prefere seguir pelo caminho em que todos os anteriores foram capturados em armadilhas? Prefere satisfazer o ego de Dom Fellay e continuar seguindo com estas perigosas condições que de nada valem diante de modernistas que não respeitam acordos assinados?
Uma das resoluções do Capítulo Geral de 2012 foi a de que, no caso de uma eventual regularização canônica, um Capítulo Extraordinário deliberativo seria convocado previamente. Será que isto resolve o problema? Em primeiro lugar, se os representantes do atual Catpítulo Geral se satisfizeram com as fraquíssimas e perigosas seis condições, quem garante que não aprovarão uma “regularização” sob elas? E mais: no futuro, a tendência é que os superiores de distrito estejam cada vez alinhados com a política de Dom Fellay, que certamente não escolherá os mais resistentes contra sua linha. Finalmente, se existe uma condição que resolve os problemas – a conversão prévia das autoridades romanas – por que ficar reinventando a roda com soluções precárias? Por que esta perversa insistência em não retornar à condição que Dom Lefebvre, depois de toda sua experiência tratando com Roma, determinou como necessária?
O “escândalo” brasileiro
Dom Lourenço aponta como “escandalosa” a vinda de Dom Williamson ao Brasil para administrar a Crisma. Não perderemos tempo com a refutação, pois ela já foi feita.
Mas a obra de desinformação de Dom Lourenço continua:
“Algumas pessoas criticaram esse texto [do padre Bouchacourt], acusando-o de mentir ao afirmar que foi por motivos doutrinários que a Fraternidade recuou na assinatura do reconhecimento canônico. Falam como se a Fraternidade tivesse, efetivamente, traído, assinado, concordado, aceito Vaticano II e todo o resto.”
Pior do que mentir, é continuar mentindo depois que já foi descoberto. Errar é humano, persistir no erro é diabólico. Dom Lourenço queria defender o padre Bouchacout? Então porque não demonstrou que nós estávamos errados quando o acusamos de mentir? Ele apenas levanta escândalo contra nós mas, como fez contra Dom Williamson, não ousa sequer citar nossas palavras para refutá-las.
Afinal de contas, em que nós nos baseamos para acusar o padre de mentir? Nós utilizamos as próprias palavras de Dom Fellay e de seus assistentes, escritas ou proferidas em diversas ocasiões. Não vamos repetir aqui todas elas, mas apenas uma:
Dom Fellay, em sua carta aos três bispos, na intenção de fazê-los aceitar a proposta de Roma, afirmou que Dom Lefebvre não hesitaria em assinar um acordo na situação atual. Ora, sabemos que o problema doutrinário até agora não foi resolvido. Então é mentirosa a afirmação de que Dom Fellay estava aguardando a solução deste problema para assinar o acordo. Portanto, este e outros exemplos provam que o padre Bouchacourt mentiu.
A segunda frase de Dom Lourenço, que citamos acima, não tem conexão lógica com a primeira. A acusação feita contra o padre Bouchacourt não implica que a FSSPX “tivesse, efetivamente, traído, assinado, concordado, aceito Vaticano II e todo o resto.” Aliás, elas são mesmo contraditórias, pois se a FSSPX recuou nas assinaturas, ela não poderia ter efetivamente assinado. Esta segunda frase colocada por Dom Lourenço apenas confunde o leitor, distraindo o raciocínio. Ele coloca este fato da efetiva traição como se fosse a causa da nossa contestação ao padre Bouchacourt e, como esta condição não aconteceu, estaríamos errados. Isto é mentira, porque o verdadeiro motivo que nos fez discordar do padre foi o exposto acima.
Quem está fazendo a vontade dos modernistas?
Já demonstramos que Dom Lourenço não ousou tocar nas palavras de Dom Williamson, exceto para distorcer o que ele disse sobre a primeira condição. Ou seja, ele fugiu da luta e saiu aos quatro cantos insultando o bispo. Uma atitude de covardia que eu jamais esperaria de Dom Lourenço.
Mas os arroubos de raiva nada cristãos continuaram atacando o pobre monge:
É preciso gritar pelos telhados a essas “estrelas novas” em explosão e, sem falsos romantismos, perguntar aos astros fugitivos: quando, ó “buracos negros”, quando Roma poderia sequer pensar em aceitar essas condições? Digam-me senhores das trevas, acham realmente que um papa modernista poderia aceitar que seu nome seja criticado publicamente, que o seu amado concílio do Bar-Jona e da Aliança Européia seja posto em derrisão, dissecado, e cuspido como um bagaço? Quando aceitarão que sua querida missa protestantizada seja largada de lado e mostrada na sua pobreza total, no seu vazio teológico e litúrgico? Quando essas autoridades aceitarão o princípio de nos dar novos bispos? Não percebem que essas condições significam exatamente o que os senhores ficam repetindo como papagaios, que só poderá haver acordo com a conversão das autoridades romanas? A realidade está na ponta dos seus narizes, mas os senhores não quiseram ver.
Provavelmente, Dom Lourenço estava tão ocupado inventando apelidos e insultos contra nós, que não percebeu que os fatos descritos como inaceitáveis para Roma já acontecem. Sim, o concílio e a missa nova já são dissecados e mostrados em todo seu vazio e contradição. E isto é feito pelos tradicionalistas que não estão subordinados ao autoritarismo modernista. É exatamente porque as autoridades modernistas não suportam estas críticas, as quais eles não podem responder porque são verdadeiras, é exatamente por isto que elas querem todos os tradicionalistas sob a sua caricatura de autoridade, para que possa silenciar a todos.
As autoridades modernistas podem muito bem assinar um acordo, trazer a FSSPX para a situação dos Ecclesia Dei durante alguns anos e depois, quando já estiverem acostumados com a obediência cega, desferir o golpe mortal como fizeram com todos os outros.
O raciocínio de Dom Lourenço somente seria válido se todos os que assinam acordos acreditassem no que estão assinando. Esta premissa é fraquíssima, e qualquer um com um pouco de boa vontade consegue refutá-la. Pois é muito fácil entender que, se um dos assinantes do acordo é muito mais forte que o outro, ele pode facilmente desrespeitar o acordo.
A história pode nos fornecer exemplos de tratados desrespeitados. Por exemplo, quando Hitler e Stalin assinaram o pacto de não agressão durante a Segunda Guerra Mundial, eles acreditavam no que estavam fazendo? Seria um completo ignorante aquele que os quisesse chamar de pacifistas porque “estariam buscando a paz”. Foi um tratado assinado já com a intenção de ser desrespeitado.
Então nós nos perguntamos: são os “dissidentes” que fazem a vontade de Roma? Claro que não. Dom Lourenço que nos acusa de não enxergar a verdade, é ele mesmo que não a enxerga. Pois, será que o objetivo dos modernistas era dividir a Tradição? Certo é que esta divisão é uma vitória deles, mas apenas parcial. A vitória somente seria completa se todos os bispos se calassem e estivessem submissos ao acordismo. Enquanto houver um único bispo tradicional capaz de transmitir o episcopado independente dos modernistas e de proclamar a verdade sem ser calado, os inimigos da Igreja não podem comemorar a vitória definitiva. Dom Lefebvre também chegou a ficar sozinho, desamparado, mas a força de um bispo que não perdeu a Fé foi capaz de construir toda esta maravilhosa obra que é a FSSPX.
Por que é necessário não calar?
Apesar de estarmos cansados de toda esta confusão, sentimo-nos obrigados a escrever este artigo pelos motivos resumidos a seguir:
1) O risco que a resistência tradicional ainda corre
O texto do capítulo, com suas seis condições, não são suficientes para garantir a resistência frente aos ataques modernistas. Um acordo sob estas condições colocaria a FSSPX nos mesmos perigos em que sucumbiram todos os outros que anteriormente assinaram acordos.
2) Não deixar impune a mentira
Os acordistas mentiram gravemente quando disseram que não teriam feito acordo sem antes resolver os problemas doutrinários. Mentiram quando acusaram as pessoas de estar em pecado mortal por acessarem os sites anti-acordo.
Santo Agostinho em seu tratado Contra a Mentira afirma: “Não devemos mentir nem mesmo para salvar um homem do castigo eterno”.
Como podemos esperar as bençãos de Deus para nosso apostolado se formos coniventes com a mentira?
3) Defender o bom nome das pessoas insultadas
Dentre as mentiras contadas, as mais graves são aquelas que redundaram em dano ao bom nome de muitos bom clérigos. Vejam o exemplo de Dom Williamson, cujas palavras foram absurdamente deturpadas a fim de se “concluir” que o mesmo estava “enganando” as pessoas… Não é possível ficar quieto diante de uma injustiça deste tamanho.
4) A questão da credibilidade
Se ficássemos quietos, Dom Fellay sairia desta confusão como o inocente, a vítima de uns “extremistas” e “fanáticos”, e ganharia a credibilidade que ele não angariou por suas ações e suas palavras.
Ao mesmo tempo em que os opositores do acordo sairiam injustiçados pelas mentiras, Dom Fellay sairia como o conciliador e salvador da unidade. Isto, os fatos desmentem. Não temos o direito de permitir que a propaganda encubra os fatos.
Esta questão da credibilidade poderia ser matéria para um artigo inteiro, mas vamos prolongar ainda algumas palavras no presente.
Dom Lefebvre reconheceu que havia ido longe demais nas conversações com Roma e não ficou nas palavras, mas agiu corretamente para restabelecer o bom combate da Tradição, até o ponto de sagrar os bispos tão necessários à sobrevivência.
Dom Fellay não reconheceu erro nenhum de sua parte. Pelo contrário, ele e os seus auxiliares se fazem de vítima, acusam de mentirosos aqueles que dizem a verdade sobre eles, acusam de espalhar boatos aqueles que comentam os fatos e palavras que os acordistas fizeram ou falaram em público. Dom Fellay não se retratou de nada do que falou em defesa do concílio Vaticano II.
É certo que o Capítulo Geral confirmou a “fé na Realeza universal de Nosso Senhor Jesus Cristo, criador das ordens natural e sobrenatural, a quem todo homem e toda sociedade devem se submeter.” Afirmaram uma verdade, mas tiveram o cuidado de não condenar o Vaticano II, que defende o erro oposto a esta verdade. Isto é uma demonstração da vigilância que os acordistas têm para não afetar a perigosa aproximação que eles buscam com Roma. E também o quanto Dom Fellay não admite seus erros, porque nunca ele se retratou de ter afirmado que “a liberdade religiosa do Vaticano II é muito, muito limitada”. Também não se retratou de ter dito tantas besteiras, como “noventa e cinco por cento do concílio é aceitável”, ou “muitos dos erros que nós atribuíamos ao concílio, na realidade não são do concílio, mas sim do seu entendimento comum”. Também não se retratou de ter acusado os outros três bispos de enxergarem “super-heresias” no Vaticano II.
Se ele voltou atrás em seus planos acordistas, porque não se retrata e não obriga a se retratar todos os que erraram com ele? Por exemplo, não é grave o erro do Pe. Pfluger, seu primeiro assistente, afirmar que “rechaçar a oferta [de acordo prático] de Bento XVI é cair no sedevacantismo”? Enão como se pode acreditar na boa vontade de alguém que joga todo o lixo debaixo do tapete?
Dom Lourenço não está apenas tentando acalmar os ânimos para evitar divisões. Ele está abertamente defendendo Dom Fellay e escondendo seus erros, ao ponto de escrever em seu artigo: “Mas soa bem, para quem prefere ver a Fraternidade quebrada, dar a impressão de que Dom Fellay tem má doutrina.”
Não! Ninguém está “dando a impressão”. Estamos provando com as próprias palavras de Dom Fellay e de seus seguidores que eles, de fato, tem péssima doutrina, que já não é mais aquela oposição aos erros do Vaticano II, pelo contrário, é a atenuação e o mascaramento destes erros. Nós não queremos ver a FSSPX quebrada. Mas também não podemos jamais trabalhar para dar credibilidade a Dom Fellay depois de tudo o que aconteceu e sem nenhuma volta atrás de sua parte.
O que pretende Dom Lourenço? Que a FSSPX esteja unida debaixo dos erros de Dom Fellay? A desunião já foi semeada exatamente por este bispo. Quem discorda dele, ou é perseguido porque se opõe, ou fica em silêncio por medo da perseguição. Dom Williamson foi “expulso” porque não havia como contestar sua críticas. Em outros casos, padres foram expulsos ou pediram demissão por discordarem de Dom Fellay. Dom Lourenço afirma que estes padres “tinham problemas com a FSSPX” antes da crise estourar. Não, eles tinham problemas é com Dom Fellay e sua política acordista. E a crise estourou agora, quando o acordo estava prestes a ser firmado, mas já vem de vários anos.
Com isto, não pretendemos criar ainda mais confusão, mas sim impedir que as pessoas saiam acreditando em uma versão totalmente falsa e perigosa desta história toda.
Conclusão
Estes são os principais motivos pelos quais nos sentimos obrigados a não calar. Dom Lourenço, como mostramos, fugiu do tema, não se aprofundou, não encarou as palavras de Dom Williamson, senão brevemente e para distorcê-las. Tendo fugido de toda objetividade, só lhe restou partir para o lado pessoal, com uma infinidade de insultos. Não contente, para finalizar o artigo, Dom Lourenço levantou graves juízos temerários contra os “dissidentes”. Chega mesmo a ter a ousadia de afirmar que uma queda da Fraternidade lhes teria “dado a oportunidade de se sentirem vingados”. A atitude destes “dissidentes” contra Dom Fellay seria resultado do orgulho ferido. Engraçado, Dom Lourenço não enfrenta os nossos argumentos, devia-se das palavras que escrevemos, mas conhece até o nosso íntimo, nossas intenções mais secretas…
Ainda querendo ver o fim desta luta fratricida, não podemos nos calar diante de uma tão tremenda injustiça cometida por Dom Lourenço contra os clérigos que se opõem a política destrutiva de Dom Fellay. O perigo é real, mesmo depois do Capítulo Geral, e é este perigo que nos move a nos opormos a Dom Fellay. Mas esta questão objetiva foi jogada debaixo do tapete por Dom Lourenço, o qual preferiu “explicar” a nossa atitude como “orgulho ferido por não ter a FSSPX caído”…
Acredito que já tenha ficado bem claro para todos que a verdade é muito diferente disto.