Por Gustavo Corção, publicado n’O Globo em 1-3-75.
FORMULEI no artigo de 5ª feira, dois magnos agradecimentos por tudo o que recebi no começo e no meio da vida. Choro hoje a sorte dos que vivem moços num mundo velhíssimo e enlouquecido. Dou mais um pequeno exemplo para reforço de meus agradecimentos e da lamentação da dor alheia. Quando minha mãe ficou viúva com vinte e seis anos, só com cinco pintinhos de nove anos para baixo, nós pudemos viver uma gloriosa pobreza numa atmosfera de transluminosa felicidade porque durante esses quinze anos a moeda permaneceu estável. Hoje sabemos que os governos que o Dr. Alceu e mais três ou quatro pessoas em cada hemisfério dizem ser socialistas, amigos dos pobres, começam por desenfrear a inflação e, por conseguinte, tornar insuportável a pobreza. Na verdade, eles acabam com os pobres porque os transformam todos em miseráveis.
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MAS REALMENTE o grande, o imenso benefício que permitiu minha formação e minha sobrevivência, foi um bem que de início formulo em tom sociológico: a Família e seu enquadramento numa Sociedade que, por uma proteção do céu, até aquele tempo repelira como a de círculo quadrado a idéia do divórcio. Havia dramas conjugais, como os haverá até o fim do mundo e os houve desde o pecado original. Digamos logo como Chesterton que men and women are incompatible. Mas, apesar de todos os pesares, o código genético daquela civilização estava marcado pelo ideal, pelo ponto de convergência para o casamento monogâmico e indissolúvel, que o sábio Westermark demonstra ser o ideal da humanidade, em seis grossos volumes da Payot e os Santos Evangelhos em poucas linhas mostra que é a vontade de Deus.
ALÉM DESSA sanidade sociológica e cultural que até hoje misteriosamente e gloriosamente o Brasil soube manter num mundo enlouquecido, devo a Deus um agradecimento especial pela família que tive formada em torno da mamãe, e que depois todos os cinco, já passados dos 70, souberam repetir. Não é, pois, para nós e em interesse próprio que ainda tenho ânimo de combater o divórcio e defender ardorosamente a indissolubilidade conjugal.
NESTA ALTURA da vida, aos 78 anos, posso lhes afiançar que vejo com enfado e desinteresse crescente as urdiduras das paixões dissolventes que dissolvem toda uma civilização. Se eu ouvisse os conselhos do Sancho Pança que todos trazemos na alma, e no caso de um Sancho Pança quase octogenário, eu daria de ombros para esse debate e com meus botões diria o que penso dos que se casam: eles que se virem! E até já pensei em imprimir cartões para enviar aos nubentes que me anunciam as bodas e esperam por mim no dia marcado. Nesse cartão, eu apenas diria: “Aguardo esperançoso participação bodas de prata.”
COMO CATÓLICO, por mais forte razão, não me interessam as leis que o Congresso venha ou não a votar sobre a indissolubilidade do casamento. Guio-me nisto por constituição mais alta, aonde nem sequer chegam os ecos dos esdrúxulos argumentos que os homens cá embaixo inventam para fabricarem calamidades.
FICA, PORTANTO, anulada e pulverizada a proposta que nos foi lançada por um divorcista fervoroso: a de ficarmos nós católicos com o nosso casamento sacramental deixando-lhes a liberdade do casamento social. Respondo a esse divorcista que me empurra para fora do círculo de seus problemas: não nosso, amigo, porque o que ainda me prende nestas mal traçadas linhas, além do serviço de Deus, é o serviço que devo à pátria, à sociedade, ao mundo. Não sei se me fiz entender.
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ALÉM DAS MUITAS razões que já escrevi em livro, Claro e Escuro AGIR, e que Maria de Lourdes Ganzarolli em Divórcio em Debate AGIR, acrescento hoje estas reflexões ditadas não pelo amor de Deus e dos homens, mas especialmente pelo amor do amor. Conheço muitas histórias de casamentos rompidos por dramas de amor que os anos, os sofrimentos e as dedicações provam ser do mais puro quilate. Estou pensando especialmente num que assim ultrapassou os oitenta. É uma grande história de amor que guardo como um dos mais belos exemplos visto neste vale de lágrimas. Que minha madrinha, na terra ou no céu, me perdoe a palavra dura de sessenta e tantos anos atrás e me abençoe. Mas os homens têm de legislar para a vida e não para os novíssimos. E, pensando nos legisladores que inserem o divórcio numa sociedade, não posso evitar um sentimento de repulsa. Eles rebaixam o amor humano ao nível de um seguro de automóvel. Em tal sociedade qualquer par de noivinhos já se promete reciprocamente com reservas, já diz que quer casar-se enquanto for gostoso, já diz que ninguém é de ferro, e que esse negócio de amor está ultrapassado. Com todo o respeito pelos que sofrem a própria ruína e a ruína do lar, não posso reservar parcela nenhuma desse respeito por quem já quer casar com a garantia de não estar realmente engajado, haja o que houver, em relação aos filhos que são e serão sempre os principais atingidos. Para evitar os inconvenientes do divórcio numa sociedade, só conheço um meio: elimina-se a Família. Fiquem indefinidos os traços de paternidade e maternidade como indefinido fica o vínculo conjugal. Eu tenho uma pena imensa, desmedida, vertiginosa, da geração que não poderá contar histórias onde entrem pai, mãe, sogra, tio, babá e demais anexos da perempta instituição pela qual levitas e magistrados acharam que não valia a pena lutar.