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O Brasil se defende


Por Gustavo Corção,

publicado n’O Globo em 18 de maio de 1972


DEPOIS do famoso "documento Comblin" que fez escândalo em 1968 e que serviu de base ao de Medelin, pomposamente apresentado como documento oficial do Magistério, não me espantou nem me interessou — a não ser como amostra dos tempos — a Teologia da Revolução do mesmo padre belga. Recentemente houve nova agitação em torno desse padrex (?) por causa de sua expulsão do país, coisa que a meu ver veio tarde.


ANTES de dizer o que penso dos padres estrangeiros expulsos (ou em processo de expulsão) devo frisar o que todos nós no Brasil devemos aos padres estrangeiros. Não caberia nestas colunas e no jornal inteiro a história do benefício imenso que recebemos de religiosos alemães, franceses, italianos, espanhóis etc. Pessoalmente devo uma enorme gratidão ao bom frei Pedro Sinzig, franciscano de hábito, cordão, sandália e coração, que esteve em minha casa nos idos de 28 para ver o órgão eletrônico que naquele tempo montara eu em Jacarepaguá, na Estação Receptora da Radio Brás. Anos depois foi esse mesmo religioso que voltou sob meu teto para trazer tão perto de mim, pela primeira vez na minha vida, o Corpo de Deus. Minha primeira mulher, na interminável agonia que a levava aos 29 anos de idade, teve a seu lado o bom franciscano. E toda a casa, chorando e rezando, aprendeu com ele a repetir esta terrível e adorável oração: "Vem Jesus, vem Jesus!"


PASSAM-SE mais alguns anos, e é novamente em torno de um religioso estrangeiro, agora beneditino, que se forma o grupo do Movimento Litúrgico, dentro do qual, em 1939, voltei à Fé do meu batismo. E depois, na paróquia, desfilam bons padres do Verbo Divino, também estrangeiros... Noto agora que o próprio vocábulo "estrangeiro" me soa como uma das tantas formas do desamor. Não gosto, e creio que nela primeira vez o uso tão repetido em tão poucas linhas. O caso é que me veio à memória a queixa de um dos excelentes vigários que o vento levou. Contava-me ele, magoado, o que ouvira de Dom Hélder, numa reunião do Clero, quando ousara discordar:


"Nós não precisamos aqui de padres estrangeiros!"


NAQUELE tempo Dom Hélder pertencia ao nacionalismo integralista que atribuía todos os males do Brasil à desgraça de ter sido descoberto por uma potência estrangeira. Hoje Dom Hélder filiou-se à IV ou V Internacional, financiadora de voos e de conferências no mundo inteiro: e nós que não voamos, nós que ficamos, começamos agora a sentir, com bem fundados motivos, que é do "estrangeiro" que, em matéria de Clero, nos vem o pior. Os novos, os agitadores, os devotos de Guevara ou de Luther King, extremos que se tocam, estão fazendo tudo para apagar a gloriosa história da evangelização do Brasil por missionários de todo o mundo.


* * *


CREIO QUE o primeiro caso estridente foi o do Pe. Wauthier que fez em Osasco agitação operária, com o Pe. Jentel, também francês, que está fazendo em Mato Grosso.


O PE. WAUTHIER foi expulso com certa rapidez, e logo a CNBB, e especialmente o Cardeal Rossi, então arcebispo de São Paulo, precipitaram-se na defesa do Pe. Walthier.


DIZIA O Cardeal que o Pe. Wauthier estava cumprindo as diretrizes do Concílio; em coro, o Grêmio Episcopal avalizava os métodos de Economia e Humanismo do Pe. Wauthier. Houve boato de que o padre se casara logo ao chegar na Europa, e logo se precipitam, o Cardeal e o Grêmio, para desmentir a falsa (?) notícia. O autor destas mal traçadas linhas teve a honra de ser chamado caluniador e mentiroso em francês, por dois religiosos de renome. Hoje sabemos que o pobre diabo que sonhou ser padre operário, e acordou operário puro e simples, casou-se e atirou às urtigas a batina e os votos. Em Belo Horizonte tivemos o "affaire" Pe. Ven, assuncionista, que andou ensinando revolução em vez de religião.


E AGORA temos o Pe. Jentel, francês, que esteve agitando os posseiros em Mato Grosso com o benevolente apoio de seu bispo Dom Pedro Casaldaliga (também estrangeiro) e entusiásticos aplausos de Dom Fernando Gomes, bispo de Goiânia, que, paramentado com o título de Presidente do Regional Centro-oeste da CNBB, enviou ao Ministro da Justiça, em nome do fragmento centro-oeste do Grêmio Episcopal, uma carta onde manifestava sua inquietação diante de medidas rotineiras de repressão de desordens que o Governo tomou.


EM ENTREVISTA com o mesmo Ministro de Estado, o Presidente da CNBB ameaçou o Governo brasileiro com entrevistas e pronunciamentos que daria à imprensa estrangeira. E aqui encerro a amostra do que tem feito aqui a CNBB em relação aos padres grevistas ou guerrilheiros, e com isto confirmo a convicção que mais de uma vez manifestei: a CNBB não está apenas deformada, desviada, destorcida em relação ao que o Magistério da Igreja, por seus pronunciamentos mais solenes, disse das conferências episcopais. São hoje, na França, na Espanha, e no Brasil, não apenas uma coisa em mau estado; são realmente outra coisa; pregam outro evangelho e por isto nos dão todo o direito de reagir e de opinar como instituição que estivesse fora da Igreja, conforme nos aconselha S. Paulo na epístola aos Gálatas, capítulo I, versículos 6 e seguintes.


QUANTO aos padres “estrangeiros que aqui vêm pregar reformas agrárias e outras providências deste tipo, não vejo a necessidade dos inquéritos e das minúcias processuais reclamadas por Dom Fernando. O Governo não quer aplicar-lhes pena alguma, quer apenas que voltem para casa. Go home. Ninguém contestará a necessidade de maior apuro de diligências quando se trata de prender e punir; mas quando o caso é de visita indesejável o bom-senso dita os processos. Nos tempos que correm bastaria a procedência, bastaria o itinerário, bastaria um sermão para indicar com evidência solar o padre indesejável. O alarido da CNBB se explicaria bem se supuséssemos que essa entidade mutacionada em grupo de "hors cadre" da revolução mundial fosse manobrada exatamente por padres ou não-padres absolutamente indesejáveis.


RARO o leitor ter uma ideia do que são esses padres que o Brasil expulsa cerimoniosamente e com gasto de resmas de papel dou abaixo algumas citações do Pe Comblin, colhida em Cruz, de 14 do corrente e num artigo de Dom João Evangelista O. S. na revista "Liturgia Vida", e tiradas todas de um livro do padre belga.


Ei-las:


"Com certeza, Jesus não podia ter a vista da história que temos. Não podia prever os 20 séculos que nos separam dele (grifo nosso).

"Nada nos permite pensar que Jesus imaginou a sua ressureição da maneira como ela se realizou de fato"

"Jesus não pratica nenhum ato religioso nem parece preocupar-se com a prática religiosa de seus discípulos".


E ASSIM por diante vai esse papagaio com os dirigentes da CNBB respeitosamente chamar de "teólogo", e que no Brasil, em boa hora, ele expulsou como falsário. Não compete ao governo brasileiro apurar a ortodoxia dos padres franceses e belgas, mas compete-lhe defender o solo pátrio dos empulhadores estrangeiros que evidentemente praticam a falsificação. Há vários critérios mais ou menos caprichosos para filtrar a entrada de estrangeiros nos países mais desvairadamente liberais. O critério com que o governo brasileiro expulsou Comblin expulsará Jentel é excelente; e mais detestável e mais humilhante para os católicos não podia ser o critério do grêmio episcopal que insiste em perturbar a ordem pública e em atrapalhar os atos do Governo.

*Os artigos publicados de autoria de terceiros não refletem necessariamente a opinião do Mosteiro da Santa Cruz e sua publicação atêm-se apenas a seu caráter informativo.

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