O PROBLEMA É DE FÉ, E É GRAVE
Um paralelo impressionante:
DOM MARCEL LEFEBVRE
DOM BERNARD FELLAY
“A Declaração conciliar sobre a liberdade religiosa se mostra contrária ao Magistério constante da Igreja. (…) Ela também não se apóia em nenhum fundamento revelado.[1] Os ‘limites’ fixados pelo Concílio à liberdade religiosa são como poeira nos olhos que oculta o seu defeito radical, que é o de não levar em conta a diferença entre a verdade e o erro. Contra toda justiça, pretende-se atribuir o mesmo direito à verdadeira religião e às falsas.[2] O auge da impiedade, que antes nunca havia sido alcançado, foi quando se adotou no Concílio Vaticano II o equivalente ao princípio do laicismo do Estado, pela declaração da liberdade religiosa.[3] A liberdade religiosa significa necessariamente o ateísmo do Estado, pois ao professar o reconhecimento ou favorecer a todos os deuses, o Estado de fato não reconhece a nenhum, especialmente não reconhece o verdadeiro Deus! Eis aí o que respondemos quando nos apresentam a liberdade religiosa do Vaticano II como um desenvolvimento da doutrina da Igreja.[4] Por causa disso nós rechaçamos a liberdade religiosa do Vaticano II, a rechaçamos nos mesmos termos em que fizeram os Papas do século XIX, nos apoiamos em sua autoridade e somente nela. Que maior garantia podemos ter de estar na verdade e sermos fortes senão pela própria força da Tradição e do ensinamento constante dos Papas, Pio VI, Pio VII, Gregório XVI, Pio IX, Leão XIII, Bento XV, etc., que sem exceção condenaram a liberdade religiosa?[5]”
“Muitos compreendem o Concílio erradamente. Olhando de mais perto, tenho verdadeiramente a impressão de que poucos sabem o que diz realmente o Concílio acerca da liberdade religiosa. O Concílio apresenta uma liberdade religiosa que é muito limitada.”[6]
“O segundo Concílio Vaticano é o maior desastre deste e de todos os séculos passados desde a fundação da Igreja.[7] Quanto mais se analisa os documentos do Vaticano II, mais nos damos conta que se trata de uma perversão total do espírito. Isto é muito grave! Uma perversão total!… Isto é verdadeiramente espantoso.[8] Encontramos nele o indiferentismo do Estado, direito à liberdade religiosa para os seguidores de todas as religiões, destruição do direito público da Igreja, supressão dos Estados católicos; tudo está ali, toda esta série de abominações encontra-se ali consignada e exigida pela lógica mesma de um liberalismo que não quis dizer seu nome, mas que é sua fonte envenenada.[9] Lembrem-se sempre: a liberdade religiosa é a apostasia legal da sociedade.[10]” [11]
“Na Fraternidade está-se fazendo dos erros do Concílio super heresias.”[12]
A contradição é flagrante. Eis as conseqüências de se aproximar dos progressistas: eles mudam nossa cabeça. Eles têm a arte de saber nos enganar.
Certamente acusar-me-ão de estar faltando ao respeito para com Dom Fellay. Desculpem-me, mas penso que, antes, é Dom Fellay que falta ao respeito para com Dom Lefebvre, desmentindo-o.
Mas, com um novo paralelo vejamos quem tem razão: Dom Lefebvre ou Dom Fellay.
MAGISTÉRIO INFALÍVEL DA SANTA IGREJA
CONCÍLIO PASTORAL VATICANO II
É um erro afirmar que:
“A melhor condição da sociedade é aquela na qual não se reconhece o direito de reprimir com penas legais aos que violam a religião católica, salvo quando a paz pública o exige.”[13]
“A liberdade de consciência e de culto é um direito próprio de todo indivíduo.”[14]
“Tal direito deve ser proclamado e estar garantido em toda sociedade corretamente organizada.”[15]
“Todo homem é livre de abraçar e professar a religião que, guiado pela luz da razão, lhe parecer verdadeira.”[16]
“Os homens podem achar no culto de qualquer religião o caminho da salvação eterna.”[17]
“Deve-se ter fundadas esperanças na eterna salvação daqueles que não se acham de modo algum na verdadeira Igreja de Cristo.”[18]
“Este Concílio declara que a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Essa liberdade consiste, em matéria religiosa, que ninguém seja impedido de agir segundo sua consciência, em privado ou em público, só ou associado, nos justos limites.”[19]
“Este direito da pessoa humana à liberdade religiosa deve ser reconhecido na ordem jurídica da sociedade como um direito civil.”[20]
“O direito à liberdade religiosa tem seu fundamento na própria dignidade da pessoa humana.”[21]
“Não é, pois, sobre uma disposição subjetiva da pessoa, mas sobre sua natureza mesma, que está fundamentado o direito de liberdade religiosa. É por isso que o direito a essa imunidade persiste mesmo naqueles que não satisfazem a obrigação de procurar a verdade e de a esta aderir; e, desde que se guarde a justa ordem pública, o seu exercício não pode ser impedido.”[22]
É de Fé que:
“Fora da Igreja ninguém se salva.”[23]
“O Espírito de Cristo não recusou servir-se das igrejas e comunidades separadas como meios de salvação.”[24]
“Quantos crêem em Deus, seja qual for sua religião, escutaram sempre a manifestação da voz de Deus.”[25]
Resumindo: O Vaticano II diz que o homem tem um direito natural de escolher a religião que quiser ou de não escolher nenhuma e de defender publicamente as doutrinas dessas falsas religiões; e que Deus se utiliza dessas “religiões” como meio de salvação. Doutrina essa que é totalmente oposta às palavras de Nosso Senhor: “Quem não crer em tudo o que vos mandei [que ensinásseis] será condenado.” (cf. Mc. 16, 16 e Mt. 28, 20). Se o homem tivesse o direito natural de não crer nas verdades reveladas por Nosso Senhor Jesus Cristo (como acontece nas falsas religiões), ele não poderia ser, por isso, punido com a condenação eterna, pois ninguém pode ser punido pelo fato de exercer um direito que ele tem.
Que há de mais danoso do que essa doutrina do Vaticano II? Se o homem tem direito de seguir qualquer religião (ou nenhuma) e se Deus se utiliza de todas como meio de salvação, para que Ele se fez homem? Para que Ele fundou a Sua Igreja? (cf. Mt. 16, 18) Para que Ele morreu na cruz? Para que? Para que? Para que, se o homem pode salvar-se em qualquer “religião” ou mesmo sem nenhuma? Essa doutrina destrói o fundamento de toda a Santa Igreja, pois destrói a necessidade da Fé (verdadeira) para a salvação e torna inútil a Encarnação e a Redenção.
Não sei como Dom Fellay pode ridicularizar a Fraternidade São Pio X dizendo que esta vê no Vaticano II “super heresias”. Nunca soube que a Igreja fizesse distinção entre super heresias, heresias e “heresiasinhas”. Uma só negação de uma verdade revelada basta para merecer da Igreja um total repúdio e seus mais severos anátemas.
Como pode Dom Fellay declarar que a liberdade religiosa do Vaticano II é “pequininha”? Bento XVI, ao contrário, defende a liberdade religiosa com toda a sua amplidão, justamente no sentido condenado pela Santa Igreja, como podemos ver no que diz o Papa Ratzinger: “Entre os direitos e as liberdades fundamentais radicados na dignidade da pessoa, a liberdade religiosa goza de um estatuto especial. Quando se reconhece a liberdade religiosa, a dignidade da pessoa humana é respeitada na sua raiz. Quando se tenta impedir de professar a própria religião ou a própria fé e de viver de acordo com elas, ofende-se a dignidade humana. Toda pessoa deve poder exercer livremente o direito de professar e manifestar, individual ou comunitariamente, a própria religião ou a própria fé, tanto em público como privadamente, no ensino, nos costumes, nas publicações, no culto e na observância dos ritos. Não deveria encontrar obstáculos, se quisesse eventualmente aderir a outra religião ou não professar religião alguma, salvo a legítima exigência da justa ordem pública.”[26] Será que também Bento XVI não entendeu o Concílio Vaticano II?
Mas já estou a ouvir a acusarem-me agora de ser sedevacantista, ter espírito cismático e não ter fé na divindade da Igreja. Não sou sedevacantista! Sedevacantista é aquele que nega que os últimos Papas, por serem modernistas, não são, por isso mesmo, Papas. Porém, o fato de constatar que os últimos Papas são liberais e modernistas não é ser sedevacantista. Caso contrário, Dom Lefebvre seria também sedevacantista, pois quem viu com mais clarividência e denunciou com mais força esses erros dos últimos Papas do que ele? E, no entanto, quem ousaria acusar Dom Lefebvre de ser sedevacantista?… Não tenho também espírito cismático! Mas amo com todas as veras do coração a Santa Igreja, Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo, cuja cabeça visível, hoje, infelizmente, é um liberal imbuído de modernismo. É um fato. E contra fato não há argumento. Dom Bernard Tissier de Mallerais fez um trabalho muito bem documentado provando isso mesmo. Quem o duvide, leia-o. Como disse Deus a Santo Agostinho: “Senta e lê.” E esse fato não obsta a que a Igreja seja divina, assim como a Paixão e Morte de Nosso Senhor não obsta a que Ele seja Deus, apesar de que isso seja um mistério insondável para nós. A Igreja reproduz através dos séculos a vida de Nosso Senhor Jesus Cristo e podemos conjecturar que hoje ela vive Sua Paixão. Por que, então, admirar-se de que sua divindade esteja como que ocultada aos olhos dos que não têm Fé, apesar de nunca deixar de ser divina?
Já estou a ouvir também o recriminarem-me de usar um pseudônimo, como sendo uma covardia de minha parte. Respondo com as palavras do livro “Imitação de Cristo” (L I, cap. 5): “Não procures saber quem disse, mas o que foi dito.” Assim se fez sempre no excelente jornal Si Si No No de D. Putti, sem que ninguém se escandalizasse. Se uso pseudônimo não é para me esconder e muito menos para fugir do combate. Sou monge beneditino do Mosteiro da Santa Cruz e é costume entre os monges que, quando não há necessidade, assinemos sem pôr o nosso nome. Dom Delatte ao publicar a biografia de Dom Guéranger pôs simplesmente como nome de autor “um monge benditino”. O uso do pseudônimo tem a vantagem de evitar que a atenção dos leitores se desvie dos argumentos e se dirija para a minha desprezível pessoa, o que poderia leva-los a exclamarem: “Como pode esse ínfimo ousar levantar assim a voz?” Ademais, para que desejariam saber quem sou? Para injuriar-me, negarem os fatos, sofismarem, manifestarem-me sua simpatia pelo Vaticano II, ou talvez, quem sabe, para elogiar-me? Não, não percam tempo! O tempo é algo de muito precioso, com o qual podemos ganhar ou perder a vida eterna. Empreguem-no, antes, em estudar bem os erros modernos condenados pelos Papas, lendo, por exemplo, as excelentes obras “Do Liberalismo à Apostasia”, “Soy Yo, el Acusado, Quien Tendría que Juzgaros” (27), “A Candeia debaixo do Alqueire”, “Cien años de modernismo” (27), “Catecismo Católico da Crise na Igreja” e “Prometeo – La religión del hombre” (27). Mas que não seja uma leitura superficial, mas, antes, feita com detença e cuidado; leitura essa que deve ser freqüentemente renovada, para colocar assim bem na memória todos os seus ensinamentos e criar profundas convicções, para não acontecer como a muitos que já leram essas obras e, no entanto, ainda não entenderam a gravidade da situação em que vivemos.
Atenção para o caminho no qual o Superior Geral da Fraternidade São Pio X está se enveredando: a minimização da gravidade dos erros do Vaticano II. Quem minimiza um grave erro contra a Fé comete pecado grave contra a Fé. Atenção, portanto, para o caminho para o qual ele está conduzindo a todos os que lhe quiserem seguir as pisadas! Muitos talvez não avaliam a gravidade da negação de uma verdade de Fé, e isso pode ser devido, em certa medida, a um naturalismo ou a um racionalismo práticos, que fazem com que se considere os dogmas como meras fórmulas, sem quase nenhuma influência sobre nossa vida, e que se conceba a vida cristã como um mero cumprimento de obras de devoção, sem quase nenhuma aplicação das verdades reveladas em nossa vida moral, em nossos costumes e na apreciação dos acontecimentos.
Mesmo se for verdade que muitos Bispos e Padres estejam se aproximando atualmente da Missa tradicional e da Tradição, julgar que isso é o começo de uma volta gradual à normalidade na Santa Igreja, é uma ilusão, uma falta de realismo. A Igreja é hierárquica: nela não existe reforma de baixo para cima, mas somente a partir de cima, do Papa. Portanto, enquanto o Papa for liberal e ter ideias modernistas, a Igreja continuará em situação anormal.
Sei que sou uma voz que clama no deserto. Quem me ouvirá? Quem mudará de pensamento em virtude de minhas palavras? Não nutro nenhuma ilusão… Mas assim foram os profetas: falavam a surdos. “Quem deu crédito ao que nós ouvimos [o qual lhes anunciamos]?” (Is. 53, 1) E, no entanto, Deus os enviava a falar… “Se Eu não lhes tivesse falado, eles não teriam culpa, mas agora não têm desculpa do seu pecado.” (Jo. 15, 22), disse Nosso Senhor.
Maria Santíssima, Mãe de Deus, Sempre Virgem, esmagadora de todas as heresias, rogai pelos fiéis que seguem a doutrina tradicional da Igreja de Vosso Filho. Rogai por eles, para que não se deixem enganar pelos embustes dos progressistas, inimigos de Deus e de Seu reino. Rogai por eles, para que não se cansem de lutar e de serem considerados à margem da sociedade, tanto do mundo quanto da eclesiástica “conciliar”. Rogai para que as advertências e os ensinamentos de Vosso servidor Dom Marcel Lefebvre sejam ouvidos e seguidos. Para que, assim, o maior número de almas possível se salve. Assim seja!
Arsenius
[1] Do Liberalismo à Apostasia, cap. XXVIII, pág. 219.
[2] Do Liberalismo à Apostasia, cap. XXVIII, pág. 220.
[3] Do Liberalismo à Apostasia, cap. VIII, pág. 72.
[4] Do Liberalismo à Apostasia, cap. IX, pág. 78.
[5] Do Liberalismo à Apostasia, cap. IX, pág. 79-80.
[6] Entrevista em começo de maio de 2012: Traditionalist leader talks about his movement, Rome
[7] Do Liberalismo à Apostasia, Introdução, pág. 9.
[8] Conferência para os sacerdotes da Fraternidade São Pio X, em Ecône, meio ano antes da morte de Dom Lefebvre.
[9] Do Liberalismo à Apostasia, cap. VIII, pág. 74.
[10] Do Liberalismo à Apostasia, cap. IX, pág. 80.
[11] Estas citações foram retiradas de mais de uma conferência de Dom Lefebvre, que se realizaram tanto bem antes das sagrações como bem depois das mesmas: o que mostra que ele disse essas palavras não movido por uma emoção de momento, mas que elas exprimem seu pensamento constante a respeito do assunto tratado.
[12] Carta do dia 14 de abril de 2012 aos três Bispos da Fraternidade.
[13] Encíclica Quanta cura, do Papa Pio IX. Dz. 1689.
[14] Encíclica Quanta cura, do Papa Pio IX (citando a encíclica Mirari vos, do Papa Gregório XVI). Dz. 1690.
[15] Encíclica Quanta cura, do Papa Pio IX (citando a encíclica Mirari vos, do Papa Gregório XVI). Dz. 1690.
[16] Syllabus do Papa Pio IX, proposição condenada nº 15.
[17] Syllabus do Papa Pio IX, proposição condenada nº 16.
[18] Syllabus do Papa Pio IX, proposição condenada nº 17.
[19] Dignitatis Humanae n. 2.
[20] Idem.
[21] Idem.
[22] Idem.
[23] IV Concílio de Latrão (cf. DS 802).
[24] Unitatis Redintegratio n. 3.
[25] Gaudium et Spes n. 36.
[26] Mensagem para a celebração do XLIV Dia Mundial da Paz. 1 de janeiro de 2011.
(27) Em espanhol. Infelizmente não o temos em português.