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Onde irá parar a Missa?

Por Gustavo Corção, publicado n’O Globo em 9-09-76

OUÇO este grito de espanto e de dor na leitura de um artigo do Ver. Pe. Auvray O.P., em página inteira do hebdomadário Carrefour de 14 de julho de 76, com o título francês mais conciso e sonoro do que nossa tradução: “Où va la messe?”.

O PE. AUVRAY começa seu artigo pela descrição espantosa e assustadora da desordem a que chegou na França, na “fille ainé de l’Église”, a nova liturgia da missa. Nova? Velhíssima, porque já em processo de decomposição e anarquia. A reforma em 69 já se gloriava de possuir 4 cânones para a missa. Lembro-me bem do ar puerilmente otimista com que uma religiosa veio me comunicar essa novidade. Perguntei-lhe: – E o Sr. se alegra?

ELE SORRIU ainda mais puerilmente. Meu Deus, como dói! Hoje, o pobre dominicano francês nos diz sem nenhum sinal de alegria “que já existem 103!! cânones apresentados em diferentes livros que se acham à venda à disposição do clero francês”. Além dessa amostra do desmoronamento da liturgia esses livros têm títulos sugestivos, como os seguintes: Franchir le Seuil = atravessar o limiar, com 34 sugestões para orações eucarísticas, numa das quais diz “atravessar o limiar das convenções e da linguagem autorizada quando as velhas pipas já não podem conter o vinho novo da criatividade”. Mais adiante o mesmo livro que sugere 34 novas fórmulas onde não se lê uma só vez a palavra “sacrifício” ou a palavra “pecado”, e a fórmula “oração pelos mortos”, em compensação apresenta-nos esta nova ação de graças: “Deus Trindade, Deus do Múltiplo, e de nossas diferenças, Deus de nossas liberdades (sic), bendito sejas de preferir o risco de nossas divisões à uniformidade de nossas palavras e de nossos gestos”.

EM OUTRA COLETÂNEA de 19 novas orações eucarísticas intitulada “Sopra o vento”, o Pe. Auvray assinala a seguinte passagem:

“este fascículo tem a finalidade de transcrever a expressão viva de uma comunidade cristã (…) não pretende nem imobilizar a expressão da oração em fórmulas nem ter a pretensão de usar uma linguagem universal. Essa comunidade de cristãos desejou apresentar esse livro a fim de ajudar outras comunidades a elaborar e a arriscar ter sua própria linguagem”.

EM OUTRO REPOSITÓRIO,  contendo 20 novas fórmulas, o Pe. Auvray assinala este comentário: “Createux de vie”, “Avec Toi”, “Um peuple debout”, “Tu te passiones pour la vie des hommes”, “Dieu qui fait bouilloner la vie”, “Un visage nouveau”, “Tu fait éclater la liberation”… E aqui atingimos o nível de depressão mental dos nossos “boffs” e dos bispos que os encorajam e os aplaudem.

ABRO AQUI um parêntesis para uma digressão: fique o leitor atento a este sinal contido na palavra “liberação”. Ele é característico do terreno minado da Igreja do Homem que se faz Deus, isto é, da Igreja a serviço da maçonaria ou do comunismo.

NÓS, CATÓLICOS, não temos nenhum ideal de “liberação”. Nossas palavras de ordem são purificação, santificação, salvação, e – ao contrário de um ideal de liberdade – nós desejamos como supremo bem a união com Deus, e a submissão de todos nossos desejos, de todos os nossos afetos, de todo o nosso entendimento à Sua santa vontade. Observe-se de passagem que o termo “liberação” empregado em bandeira de inspiração comunista constitui um atingimento máximo de todos os cinismos da história do planeta habitado. Léon Bloy diria que o planisfério da crapulice humana só por esta fórmula é ultrapassado.

EM OUTRA coletânea chamada “Palavra e Pão” o colaborador de Carreffour encontra estes comentários no mesmo tom de acelerada perseguição do vento: dirigem-se aos jovens de 13 a 16 anos. “Attention! Não cometais a imprudência grave de dirigi-las a meninos de 12 anos, ou a mocinhas de 17!!”

“PENSO QUE HAVERÁ interesse de se guardar a fórmula estável de anamnese (na véspera de sua morte…). Mas ter sempre literalmente a mesma fórmula seria no meu parecer pedagogicamente ruim: o ronronar adormece. Devemos então ressaltar os gestos tanto quanto as palavras” (pg. 40). “Num grupo de jovens todo o mundo concordou no seguinte: passar os pratos e os copinhos de uma ponta à outra da mesma e os que quisessem, comungariam” (pg. 59).

NESTE FLORILÉGIO de variadas e progressivas fórmulas litúrgicas, os planisférios ultrapassados são os da impiedade e da estupidez. E não se diga que esses fenômenos são abusos acidentais lamentavelmente praticados por padres irresponsáveis e atrevidos. A coleção de aberrações litúrgicas apontadas a seguir pelo Pe. Auvray, e observadas hoje em toda a parte, não se explica pelos caprichos de insubordinados, explica-se antes pela conjunção de duas causas. A primeira é a “mentalidade contemporânea” marcada pela falsa idéia da prevalência do movimento sobre o ser, ou pela superstição do evolucionismo. Faltando numa civilização o primado do espiritual que tem na mentalidade católica o seu principal baluarte, a civilização poderá ainda algum tempo manter um progresso técnico e material, mas em pouco tempo se transformará num inferno terrestre habitado pelas mais desgraçadas criaturas.

O ERRO AINDA MAIS GRAVE e mais funesto ocorrido neste século infeliz foi o da capitulação das hierarquias católicas diante dos erros da mentalidade contemporânea. Em vez de denunciá-los, de combatê-los as hierarquias se acomodaram, e se inebriaram com a idéia de terem descoberto uma espiritualidade que escapara à sagacidade da Igreja, de seus doutores e de seus santos.

JÁ VIMOS que o Concílio Vaticano II se encerrou com a consagração de um erro monstruosamente contrário ao catolicismo, do qual resultou a clivagem, e a invenção de outra Igreja, a do homem que se basta. E mais tarde, na desastrosa composição do Novo Ordo, reaparece com assustador realce o claro enunciado dos falsos princípios que explicam o desmoronamento da religião e da missa.

NO VOLUME Nuevas Normas de la Missa, organizado por J. Maria Martin Patino, A. Pardo A. Inesta y P. Farnes publicado pela B.A.C. lemos na “Constituition Apostólica Missalae Romanum”, logo às primeiras páginas, a afirmação de que o Nosso Missal se inspirada na idéia de se “acomodar à mentalidade contemporânea”, e mais adiante, página 19, lemos, com retrospectivo e inútil pavor: “Uma atenção particular foi dada às orações cujo número foi aumentado de modo que A NOVAS NECESSIDADES CORRESPONDAM FÓRMULAS NOVAS”. Caberia aqui a pergunta espantada: Que necessidades, depois de uma prova de resistência de vinte séculos?

E AGORA PODEMOS responder ao nosso título: “Onde vai parar a Missa?”. Na “Igreja do Homem feito Deus”, ela obedecerá ao princípio que erige o desmoronamento progressivo em sistema.

ESSE fenômeno não deve alarmar os católicos, porque ele não ocorre na Igreja do Verbo Encarnado onde a Missa rezada por Dom Marcel Lefebvre e por milhares de outros padres católicos no mundo inteiro permanece a mesma, está intacta e religiosamente definida.

ESTAS SINGELAS considerações talvez ajudem os católicos que sinceramente amam a Santa Igreja a compreender que não há nenhuma desobediência nas missas rezadas por Dom Lefebvre: ele obedece ao Espírito de sua Igreja; os padres extravagantes citados pelo Pe. Auvray obedecem materialmente ao espírito que inspirou os falsos princípios.

ENTRE ESSES DOIS EXTREMOS há a maioria dos vacilantes, dos tímidos, dos mornos, que obedecem materialmente a papéis marcados com o sinete do Vaticano, e ficam com a consciência em paz enquanto a Religião de Cristo sofre perseguição e as almas se perdem.

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