top of page

Os calos do Arcebispo



Por Gustavo Corção,

publicado n’O Globo em 03-03-1973


TODO o mundo sabe que Jesus Cristo Superstar é uma peça de teatro ultrajantemente sacrílega e totalmente destituída de qualquer dimensão estética. Sua mediocridade burra e repulsiva prova que a intenção principal ou única do seu autor foi a de ganhar dinheiro com mais esse acréscimo da flagelação de Jesus Cristo Nosso Senhor. Será preciso dizer que os atores, em graus maiores ou menores, se associam à blasfêmia e ao escárnio da Cruz? Será preciso acrescentar que os próprios espectadores que acharam no espetáculo algum prazer são cúmplices do mesmo sacrilégio que clama aos céus?


ENTRE outros pormenores dou apenas um flash que me foi transmitido por pessoa idônea que, por dever de ofício, viu a peça. Jesus está deitado languidamente no colo de Madalena e Judas, apontando para os apóstolos com frases de escárnio, ouve Madalena que nina Jesus acariciando-o: — Ele para mim é um homem como outro qualquer, eu já tive mil, e mais um não faz diferença.


OUVEM-SE palmas escassas não do povo que se esquiva meio envergonhado. Palmas compassadas. De onde vêm? Do alto. Da personificação da Hierarquia que assistiu à peça com deleite. Do Grão-Chanceler que fez questão de trazer o apoio da Hierarquia aos rapazes que faziam molecagem com a figura de Jesus Cristo, Nosso Senhor.


COMO se não bastasse sua ostensiva presença no litóstrotos paulista, onde Jesus foi novamente escarnecido, o Senhor Dom Evaristo fez questão de ir aos camarins cumprimentar e abraçar os artistas como se viu em fotografias publicadas em O Cruzeiro de 14 de junho de 1972 e se pôde ler no contundente artigo de Salomão Jorge. O Brasil inteiro conheceu o fato e viu Dom Evaristo Arns abraçado com o rapaz de sexo duvidoso que representara o papel de amante de Maria Madalena.


PARA ajuizar o valor de um homem, basta às vezes um só ato. Para um Dom Helder basta a entrevista dada à revista Express; para Dom Evaristo basta-me esta simpatia publicamente manifestada pelos atores e pela peça em que Jesus Nosso Senhor e Nosso Salvador é indignamente ultrajado. Há evidentemente neste ato uma composição de falta de inteligência e de falta de sensibilidade moral, cujas doses não posso aquilatar. Se outra prova dessas duas debilidades precisava, temo-la no dia em que "o sinal visível da unidade da Igreja" (como reza a Nora da Cúria) abençoou e elogiou abundantemente a Editora Vozes que inaugurou em São Paulo suas novas instalações. Todos nós sabemos que a Editora Vozes se distinguiu pelo desembaraço com que publica as mais aberrantes imoralidades e mais amolecadas doutrinas. Hesito na comparação das duas coisas heterogêneas, a Editora Vozes e Superstar, não sei dizer qual das duas coisas ofende mais clamorosamente o Pai, o Filho e o Espírito Santo.


ORA "o sinal visível da Igreja" aplaudiu com entusiasmo os dois ultrajes. Se ainda pudéssemos levar a sério alguma parte da Nota da Cúria relativa à demissão dos três professores, chegaríamos a estas duas conclusões:


1) Se o Grão-Chanceler é realmente "o sinal da unidade da Igreja", concluímos que todo o Episcopado brasileiro bateu palmas na Superstar quando o Grão-Chanceler aplaudiu o sacrilégio, talvez pensando que aquilo era "obra de arte", e toda a Igreja compareceu à inauguração da editora anticatólica, e ostensivamente imoral na maioria de suas publicações.


2) Se verdadeiro católico é "aquele que vive em comunhão com seu Bispo", faça ele o que fizer, concluímos que só poderão ensinar na PUC os professores que assistiram à Superstar em comunhão com o Bispo, bateram palmas, abraçaram os atores, sempre em comunhão com o Bispo; concluímos também aflitos que, para sermos bons católicos em São Paulo, deveríamos apoiar a "missa leiga" e até dizer como D. Lucas Moreira Neves que não encontrava nenhum motivo para proibi-la e que "até a considerava importante iniciativa de sentido pastoral"!!!


TIRO ainda uma terceira conclusão da definição que D. Paulo Evaristo Arns dá de "verdadeiro católico": a Igreja Católica teria um aspecto em São Paulo, outro em Campos, outro em Fortaleza, outro em Belo Horizonte, outro em Petrópolis. Sem falar na Holanda e em Roma! A essa colcha de retalhos a Cúria de São Paulo dá o título de "unidade da Igreja" a partir do postulado que faz de Dom Evaristo a personificação da Igreja.


ESQUECI-ME de dizer que para ser bom católico em São Paulo é preciso ir a Roma para dizer ao Papa que o Governo brasileiro está violando os direitos humanos, incluindo nas violações o problema dos índios, dos posseiros e dos peões vendidos no Araguaia. De viagem para Roma, Dom Paulo Evaristo Arns declarou que levava estas conclusões da CNBB ao Papa.


E AGORA chego à conclusão capital de todos esses pruridos de autoridade, e parece-me que essa conclusão, cuidadosamente traduzida, deveria ser levada pelos bons católicos de outras dioceses a Roma. É a seguinte:


Em diversas dioceses do Brasil os arcebispos que aprovam todas as injúrias feitas a Deus e todas as brincadeiras com coisas santas, não toleram que atualizemos a impostação de voz, o tom e o estilo dos reparos feitos por alguém que ainda tenha sensibilidade católica.


OU MELHOR:


Não lhes pisemos os calos, porque os calos dos srs. arcebispos são muito mais sagrados do que as cinco chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo.

*Os artigos publicados de autoria de terceiros não refletem necessariamente a opinião do Mosteiro da Santa Cruz e sua publicação atêm-se apenas a seu caráter informativo.

É proibida a reprodução total ou parcial de textos, fotos, ilustrações ou qualquer outro conteúdo deste site por qualquer meio sem a prévia autorização de seu autor/criador ou do administrador, conforme LEI Nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.

bottom of page