Extrato do artigo A Tese de Cassiciacum O Papado Material Para um debate sereno
Padre Curzio Nitoglia [Tradução: Gederson Falcometa]
‘Sé vacante’ sim, ‘Igreja Vacante’ não
a) ‘Vacante Sé Apostólica’ na morte de cada Papa, sim
Os canonistas e os teólogos definem, e então distinguem, o período de Vacância da Sé Apostólica, que vai da morte de um Papa a eleição do próximo, da falta de Autoridade ou de Hierarquia na Igreja (“Sedevacantismo” mitigado ou absoluto).
Durante o Conclave os Cardeais não emanam novas Leis, mas não devem fazer diminuir os direitos da Sé Apostólica, vigiando para manter em vida aqueles existentes (cfr. São Pio X, Vacante Sede Apostolica, 25 de dezembro de 1904; Pio XI, Quae divinitus, 26 março de 1925; Pio XII, Vacantis Apostolicae Sedis, 8 de dezembro de 1945).
Então, embora estando morto o Papa, os Cardeais tem ainda certo poder na Igreja universal, como os Bispos mantém a Jurisdição nas suas Dioceses e os Párocos nas Paróquias. Enquanto no caso do “Sedevacantismo” nos encontramos em uma vacância total (ou apenas formal) de poder de jurisdição do papa, dos Cardeais e dos Bispos espalhados no mundo (a partir de 1958/1965) e também em um estado de privação do poder de Ordem (a partir de 1970). Isto é, a Igreja hierárquica não existiria mais, quanto ao poder de Jurisdição, totalmente ou ao menos formalmente segundo a “Tese de Cassiciacum”, sendo por esta Tese a Autoridade pontifícia de Paulo VI até hoje apenas material ou potencial; e além disso o Sacerdócio teria desaparecido a partir de 1970 porque é retido inválido pelo ‘Sedevacantismo’ se é conferido com o novo Sacramental de Paulo VI de 1970.
Pelo contrário, Jesus prometeu à Igreja a indefectibilidade [1], dizendo: “Eu estarei convosco até o fim do mundo” (Mt., XXVIII, 20) e “as portas do inferno não prevalecerão contra a Minha Igreja” (Mt., XVI, 19).
Portanto, a sua Igreja durará até o fim do mundo, conservando: 1º) a Hierarquia, porque a Igreja é hierárquica e monárquica por Vontade divina e tal permanecerá até o fim dos tempos; 2º) o Sacerdócio, enquanto sem Sacerdócio e Sacrifício a Religião não permanece.
A este propósito Santo Ambrósio de Milão (Livro de Salomão, cap. 4) compara a Igreja a um navio “que é continuamente agitado pelas ondas e pelas tempestades do mar, mas que não poderá jamais naufragar, porque o seu mastro é a Cruz de Cristo, o seu timoneiro é Deus Pai, o custode da proa o Espírito Santo e os remadores os Apóstolos” [2]
São Beda (In Marcum, cap. VI, lib. II, cap. XXVIII, tomo 4) comenta: "Nesta passagem do Evangelho de Marcos (VI, 47-56) está escrito justamente que a Nave (ou seja, a Igreja) se encontrava no meio do mar, enquanto Jesus estava sozinho em terra firme: porque a Igreja não é atormentada e oprimida por tantas perseguições por parte do mundo, mas as vezes também é suja e contaminada de forma que, se fosse possível, o seu Redentor, nestas circunstâncias, pareceria tê-la abandonado completamente".
O Colégio dos Cardeais é ainda árbitro em ato, malgrado a morte do Papa, para os casos urgentes, ou seja, de foro interno e de consciência, que se resolve pela maioria dos votos. Além disso, todo dia deve reunir-se uma “Congregação geral” de todos os Cardeais em Conclave.
De resto os Cardeais ficam confinados em Conclave e “colocados em condições de vida desfavorecida para abreviar o mais possível a Vacância da Sé Apostólica” [3], a qual perdurar por meio século é contra a natureza da Igreja. Em contraponto, segundo o “Sedevacantismo” a Vacância dura ao menos desde 1965.
Morto o Papa cessam os ofícios de todos os Cardeais, exceto: a) aquele do “Cardeal Penitenciário Maior” [4], que continua a exercitar as funções mais importantes, isto é, os casos de foro interno e de consciência (cfr. Pio XI, Quae divinitus, 26 de março de 1925); b) aquele do “Cardeal Camerlengo” [5], que, longe de decair ou até mesmo cessar totalmente, expressa ao máximo as suas funções mais importantes, que consistem no administrar os bens temporais da Sé Apostólica; c) as “Sacras Congregações” [6] e os “Tribunais Eclesiásticos” [7] que continuam a funcionar limitadamente a faculdades ordinárias, exceto aquelas não urgentes, que podem ser adiadas a futura eleição do Papa.
Além disso, São Pio X quis, sabiamente, que a certeza da validade da eleição do Papa ficasse fora de toda discussão e para isso eliminou qualquer sanção desvalidante da eleição do Pontífice feita por alguns Papas precedentemente reinantes (por exemplo, Papa Júlio II, em 1505, tinha sancionado a Simonia como invalidante da eleição pontifícia) [8].
Naquilo que diz respeito a Simonia, essa consiste na troca gravemente ilícita dos bens espirituais por aqueles materiais (por ex. um Cardeal compra por 10 milhões a eleição pontifícia). Ora, Santo Tomás equipara a Simonia ao Ateísmo ou a Irreligiosidade, já que o simoníaco não acredita em Deus, porque compra com dinheiro coisas espirituais como fossem materiais (S. Th., II-II, q. 100, a. 1).
Esta analogia é muito interessante, porque a “Tese de Cassiciacum”, não segue a via morta ab initio do “Papa herético”, mas emboca por uma estrada nova e aparentemente viva, segundo a qual a Autoridade é finalizada ao bem comum dos sujeitos. Pelo que um Papa que não quer objetivamente o bem da Igreja, não quer o fim da Autoridade Pontifícia. Então, não é Papa em ato ou formalmente, mas apenas em potência ou materialmente e se tornará Papa em ato apenas quando retirar o impedimento da falta de reta intenção ou de vontade para o bem comum ou o fim da Autoridade. Porém, o ateu ou o irreligioso, que não acredita em Deus, na Religião e então nem sequer na Igreja, não quer o bem da Igreja e das almas. Mas, segundo São Pio X e o Direito Canônico, é igualmente Papa em ato [9]. Então, a via da “Tese de Cassiciacum” (“Sedevacantismo parcial”) desemboca, por seu turno, em uma aporia como aquela, já inicialmente barrada, do “Papa herético” (“Sedevacantismo total”).
O candidato eleito canonicamente do Colégio cardinalício, se aceita, ipso facto torna-se Papa em ato [10].
Naquilo que diz respeito a Bento XVI, que vem considerado uma “aparência de Papa” pela “Tese de Cassiciacum” porque não seria Bispo enquanto consagrado depois de 1970 com o novo Pontifical de Paulo VI, antes de tudo seria necessário demonstrar a invalidade das novas Consagrações episcopais; além disso, também se o poder de Ordem e poder de Jurisdição são realmente distintos entre eles, porque a Ordem vem conferida através do apropriado Sacramento, enquanto a Jurisdição vem concedida através da Missão canônica pelo Papa (v. Pio XII,Mystici Corporis, 1943), todavia essas estão “em mútua relação porque a Jurisdição supõe a Ordem e vice-versa o exercício da Ordem é regido pela Jurisdição” [10]. Então, se Ratzinger não fosse Bispo não teria nem sequer em potência próxima se tornado Papa, porque a Jurisdição supõe a Ordem e não tendo ele a Ordem do Episcopado não pode ter em potência próxima a Jurisdição sobre a Igreja Universal como Bispo de Roma. Portanto, ele não seria materialmente Papa, mas apenas “uma aparência de Papa”, exatamente como o ator Ugo Pagliai que no Filme “Sob o céu de Roma” representava Pio XII não era nem mesmo “Papa materialmente”, mas apenas uma “aparência de Papa” representando Eugênio Pacelli.
Parece-me claro que a “Sede Vacante em toda morte de Papa” seja essencialmente distinta do “Sedevacantismo”, o qual destrói o ser da Igreja e lhe cria uma virtual, em potência ou em constante divenire segundo a “Tese de Cassiciacum”, enquanto o “Sedevacantismo total” não salva nada.
b) ‘Sedevacantismo’ ou Sé vacante há meio século, não
Então, é preciso distinguir bem: 1º) o estado transeunte de “Sé Vacante”, que vai da morte de um Papa a eleição de outro, estado em que permanece o Colégio cardinalício capaz de suprir o Papa defunto [12] (uma espécie de Colégio “vigário” do Vigário de Cristo) governando com autoridade e o Episcopado universal [13], mantendo assim a Unidade e a Continuidade ininterrupta da série de Papas desde São Pedro até o fim do mundo e a existência da Igreja, em espera da eleição de um novo Papa; 2º) a “Igreja vacante”, que é o estado de privação de um Papa em ato, do Colégio cardinalício governando com Autoridade vigária e do Episcopado universal tendo jurisdição, estado que poderia materialmente durar até a passagem em ato de tal Papado material.
O ‘Sedevacantismo’, então, é substancialmente diverso da Vacância da Sé Apostólica pela morte de cada Papa. De fato, esse praticamente coincide com a “Igreja vacante” e, portanto, tropeça nessa dificuldade: se o Papa material morre sem tornar-se Papa em ato ou formalmente, então, a cadeia ininterrupta da série de Papas se interrompe e as portas dos Infernos teriam prevalecido, estando morta a Igreja de Cristo, passada da potencialidade a corrupção ou ao nada. Na verdade, Aristóteles e Santo Tomás ensinam que há o ‘nada’, a ‘potência’ (ou capacidade de passar ao ato) e o ‘ato’ de ser. Ora “ex nihilo nihil fit (do nada, nada vem)[14]”; “potentia reducitur ad actum, per ens in actu (a potência passa ao ato graças a uma causa eficiente, que é já um ente em ato) [15]” e enfim “ex ente in actu non fit ens, quia iam est ens (do ente em ato não vem o ente em ato, porque é já em ato) [16]”.
Aristóteles com a noção de potência, que é distinta realmente do ato e do nada e é pura capacidade de passar ao ato ou de recebê-lo, conciliou o princípio do ser e o fato do divernire. Na verdade, graças a potência (que não é o nada, mas tampouco o ser em ato), o Estagirita explica que “da potência vem o ato, isto é, a potência passa ao ato. Então, o divenire é possível e o ser também, propriamente graças a potência”. Ora, a potência não é o nada, mas é “não-ser em ato” e existe como alguma coisa de intermediária entre o nada e o ser em ato perfeito (por exemplo, a madeira da estátua que vem cinzelada lentamente não é o puro nada, mas nem sequer é a estátua terminada, todavia isso existe enquanto o artista a trabalha e tende ao ato perfeito e não ao movimento perpétuo) [17].
Tal noção metafísica de potência foi aplicada por Padre M. L. Guérard des Lauriers teologicamente e acuradamente ao problema da Autoridade: ele disse que um Papa pode ser tal em ato (ou formalmente) ou apenas em potência (ou materialmente). Isto é, quando se elege um Papa e ele não aceitou ainda a eleição canônica é Papa apenas em potência próxima ou materialmente, se torna em ato ou formalmente quando aceita a sua eleição. Todo homem batizado pode ser eleito Papa e, portanto, ele é Papa em ‘potência remota’; se vem eleito se torna em ‘potência próxima’ e se aceita a eleição canônica se torna Papa ‘em ato’ ou formalmente (recebendo a consagração sacerdotal e episcopal).
De fato, “forma dat esse” (Aristóteles e Santo Tomás). Ora, um Papa sem forma ou Papa material não existe em ato, poderia existir se recebesse o ser em ato, como a madeira que não é cadeira, mas pode se tornar. O ente existente existe (ex-sistit, sai fora do nada ou da sua causa) quanto a sua essência, que esta em potência ao ser como ato último, recebe o ser em ato. Portanto, se os Cardeais Montini, Luciani, Wojtyla ou Ratzinger não recebem a forma ou o ato último de ser, não existem como Papa Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II e Bento XVI. Além disso, o Cardeal Montini ou Papa Paulo VI estando morto não é mais um homem, mas um cadáver que não é sujeito nem de Ordem sacra (Sacerdócio e Episcopado), nem de Jurisdição (Papado e Bispo de Roma). O cadáver vira pó e torna-se nada, uma vez separado da sua alma ou forma primeira e, portanto, não pode receber o ser ou a forma/ato último e não pode existir, exceto por um milagre da Onipotência divina que restaure a vida ao morto (“ex nihilo nihil fit”), como acontecerá no fim do mundo com a Ressurreição dos corpos. Donde que, se o ‘Sedevacantismo’ quer ser lógico, Montini não pode mais tornar-se Paulo VI em ato de ser e não é mais nem sequer Papa material, mas é um cadáver “pulvis, cinis et nihil”. Onde que João Paulo I se tivesse “convertido” (como queria a “Tese de Cassiciacum”) não teria sido o sucessor de Paulo VI, porque a cadeia ininterrupta dos Papas, desde São Pedro até o último Papa vivente até o Fim do Mundo, teria sido interrompida e a Igreja de Cristo teria terminado com a morte de Paulo VI. Mas tudo isto é contra a Fé definida pela Unidade e Apostolicidade da Igreja.
Na verdade, se o Papa material não aceita a eleição, permanece Papa em potência próxima até que não morra. Uma vez morto é um cadáver e não mais um homem batizado, é nihil (ou nada), não é mais potência (ou ens materialiter). Ora ex nihilo nihil fit (do nada não vem nada). Então, a Igreja, segundo o ‘Sedevacantismo’, estaria morta. Como a madeira pode tornar-se estátua em ato, mas, se apodrece e torna pó, não está mais em potência remota (pura madeira) nem em potência próxima (madeira em trabalho, que está se tornando uma estátua) assim o cadáver não é potência (nem sequer remota) ao Papado e não se tornará jamais Papa em ato. A Tese do Papado material ou em potência teve uma dimensão filosófica e teológica inicial notável, mas se exauriu com a morte de Paulo VI e foi completamente superada com a eleição de Bento XVI, o qual padece, pela mesma Tese, não ser Bispo, senão “uma aparência” de Papa (Guérard des Lauriers). Ora “uma aparência” ou um ator que representa um Pontífice não é sujeito de Ordens sacras e de Jurisdição (os Cardeais não elegem um ator ou um que se apresente como Papa, mas escolhem um batizado que aceita a eleição canônica para se tornar realmente Papa em ato) e não é nem sequer em potência remota capaz de se tornar Papa em potência próxima e depois em ato. Segundo o ‘sedevacantismo’ o sucessor de Pio XII, depois da morte do papa material Paulo VI, que não passou ao ato e não pode mais passar sendo defunto, não seria mais o sucessor formal de Pedro, mas seria o Chefe de uma nova “igreja”, essencialmente diversa daquela que fundou Jesus Cristo sobre Pedro, a fortiori não seria o sucessor formal de Pedro o Pontífice eleito depois de Bento XVI, o que é apenas uma “aparência de Papa” e nem sequer um “Papa material”. Mas isto é contrário à Fé católica revelada e definida, que ensina a apostolicidade formal e ininterrupta dos Papas desde São Pedro até o fim do mundo.
Se as “hierarquias” eclesiais e espirituais (Papa e Bispos) são os sucessores formais de Cristo, de Pedro e dos Apóstolos, são a Igreja de Cristo tal qual Cristo a quis; caso contrário é o produto de uma Tese intelectual elaborada em um estado de “emergência”. Mas não é o pensamento humano a criar a realidade mesmo em estado de extrema emergência, não é uma Tese teológica a fundar a verdadeira Igreja de Cristo. Tal “igreja”, produto do intelecto humano é essencialmente diversa da Igreja hierárquica e visível de Cristo, me parece mais uma “igreja pneumática”. O real estado de emergência ou necessidade em que nos encontramos não nos autoriza a mudar a essência da Igreja, como Cristo a quis e fundou, idealizando-lhe uma in fieri ou em potência ou material, que não é, mas encontra-se sem passagem para o ato há quase meio século. A Igreja foi, é e será em ato, não em divenire, propriamente como Cristo é hodie, heri et in saecula, “semper idem” e não “semper in fieri”. A sucessão apostólica verdadeira é aquela formal, alimentada pela sua raiz, que é a ‘Pedra’, Cristo, e o seu Vigário na terra, ‘Pedro’. Santo Agostinho ensina que uma simples sucessão material, não unida formalmente com a sua raiz, seria estéril [18]. Como um traço (Bispos/Apóstolos) que parte dos ramos cortados e secos (Papa/primeiro e Príncipe dos Apóstolos) não é vivo e frutuoso. Tire o fundamento e desmorona todo o edifício. Assim, uma sucessão apostólica apenas material é abalada, morta e mortífera. É uma “sucessão” ou “protuberância” histórica, cronológica, material, física, mas não formalmente apostólica viva e vivificante [19].
NOTAS:
[1] Do latim “in” – “deficere”, não vir menos, não cessar.
[2] C. Mazzella, De Religione et Ecclesia, Roma, 1892, n. 738.
[3] F. Roberti – P. Palazzini, Dizionario di Teologia Morale, Roma, Studium, IV ed., 1968, voce “Conclave”, vol. I, p. 360
[4] “Cardeal Penitenciário Maior” é o Cardeal que preside a “Sacra Penitenciária Apostólica”, que na Cúria Romana é o “primeiro Tribunal Eclesiástico”. Tribunal de misericórdia, de perdão e de redenção, quase apêndice do sacramento da Confissão para os casos mais difíceis ou reservados a Santa Sé. Esse concede absolvição, dispensas, comutações e condenações apenas para o foro interno. Ao foro externo providencia as outras Congregações ou Dicastérios da Cúria Romana (cfr. C. Berutti, De Curia Romana, Roma, 1952). A S. Penitenciária remonta aos tempos mais remotos da Igreja (cfr. Benedetto XIV, Costituzione Apostolica In Apostolicae, 13 de april de 1744; Pio XI, Cost. Apost., Quae divinitus, 25 de março de 1935), “ qual fonte aberta aos fiéis para ablução dos pecados” (Pio XI, Cost. cit.). “Em caso de Sede Vacante, o Cardeal Penitenciário Maior não apenas conserva todas as suas faculdades, mas pode também – nos casos de grave e urgente necessidade – fazer aquilo que usualmente é reservado pessoalmente ao Papa” (Pio XI, Cost. Apost., Quae divinitus, cit., n. 12; Pio XII, Cost. Apost., Vacantis Apostolicae Sedis, 8 de dezembro de 1954, n. 17). Se durante a Vacância da Sé Apostólica morresse o Cardeal Penitenciário Maior, os outros Cardeais recolhidos em Conclave devem reunir-se o quanto antes para eleger um Cardeal, que durante a Vacância da Santa Sé, terá o ofício de Penitenciário Maior (Pio XII, Cost. Apost.,cit., n. 14). Como se vê, o período de Sé Vacante é assaz diverso do período contemplado pelo “Sedevacantismo”, no qual existe a ausência ao menos atual se não total de toda Autoridade Papal, Cardinalícia e Episcopal, dada a Heresia do Papa, dos Cardeais e dos Bispos que seguem os erros do Vaticano II (“Sedevacantismo absoluto”) ou a falta de vontade objetiva de fazer o bem da Igreja (“Sedevacantismo mitigado”).
[5] “Cardeal Camerlengo” é o Cardeal que preside a “Camera Apostólica”, a qual administra todos os bens e as rendas da Santa Sé e da Cidade do Vaticano durante a “Sé Vacante” (Pio X, Cost. Apost., Vacante Sede Apostolica, 25 de dezembro de 1908). Cfr. G. Felici.
[6] “Sacras Congregações”, chamadas também de Dicastérios ou Congregações Romanas, são órgãos colegiados, constituídos por vários Cardeais, que coadjuvam o Papa a governar a Igreja. A sua competência é apenas de foro externo. Cfr. N. Del Re, La Curia Romana, Roma, 1941.
[7] “Tribunais Eclesiásticos” são os Órgãos do Ordenamento Judiciário Canônico da Igreja, que administram a justiça, ou seja, julgam imperativamente as controvérsias que surgem na aplicação e na observação, em casos particulares, da Lei emanada pelos Órgãos Eclesiásticos Legislativos. Na Igreja existem Tribunais centrais ou Romanos, que tem competência para causas canônicas ou de direito eclesiástico em todo o mundo. Além disso, existem Tribunais Diocesanos (periféricos ou locais) que tem competência apenas sobre as Dioceses particulares (Cfr. F. Roberti, De Processibus, I, Roma, 1941; F. Della Rocca,Istituzioni di Diritto processuale canonico, Torino, 1946).
[8] Cfr. Vittorio Bartoccetti, voce “Conclave”, in “Enciclopedia Cattolica”, Città del Vaticano, 1950, vol. IV, coll. 176–183.
[9] A mesma comparação vale para um Cardeal cismático ou herético eventualmente eleito Papa. Se o ateu é eleito validamente, em maior razão o herético, que não nega toda a Religião, mas apenas alguns Dogmas seus. Pelo que a Bula de Paulo VI (Cum ex Apostolatus officio, 15 de fevereiro de 1559, in Bullarium Romanum, Torino, 1862, vol. VI, pp. 551–556, tr. it., in S. Z. Ehler – J. B. Morrall, Chiesa e Stato attraverso i secoli, Milano, Vita e Pensiero, 1958, pp. 207–213) decaí como a Sanção que diz respeito a Simonia de Júlio II de 1505. Além disso, a Bula de Paulo IV "é um ato disciplinar da Igreja, que resume todas as precedentes excomunhões e deposições das funções da Igreja de todos os dignitários. […] Durante o pontificado de Paulo IV — Gian Pietro Carafa (1555–1559), o cisma protestante chega a proporções muito vastas. […]. Contra esta ameaçadora maré, fortemente se insurge o Papa Gian Pietro Carafa. […] A atmosfera era de tal forma inflamada que Paulo IV veio até mesmo a temer a defecção no próprio Colégio Cardinalício. As suas dúvidas diziam respeito particularmente ao influente Cardeal Morone, a qual possibilidade de eleição a Santa Sé era causa de grandíssima apreensão para Paulo IV. […]. A Bula Cum ex Apostolatus ofício […] prevê a possível eleição de um Papa de duvidosa ortodoxia […] sobre o cardeal Morone. A Bula declara inválida a eleição ao Trono pontifício de qualquer candidato, que em precedência se tenha demonstrado conveniente com os cismáticos Luteranos" (S. Z. Ehler – J. B. Morrall, Chiesa e Stato attraverso i secoli, cit., “Bolla Cum ex Apostolatus officio”, Commento, p. 206). Não tendo sido retomada pelo CIC de 1917 e sendo um ato disciplinar, decaí ipso facto mesmo se não abrogada explícitamente como a Bula de Júlio II de 1505 sobre a Simonia.
[10] S. Negro, L’ordinamento della Chiesa cattolica, Milano, 1940.
[11] A. Piolanti, I Sacramenti, Firenze, 1956, Id., Corpo Mistico e Sacramenti, Roma, 1955; A. Lanza – P. Palazzini, Sacramenti e vita sacramentale, Roma, 1957; L. Billot, De Ecclesia Christi, vol. I, tesi 15- 24, Roma, 1927; R. Zappelena, De Ecclesia, II ed., Roma, 1954; A. Ottaviani, Institutiones Iuris Publici Ecclesiastici, vol. I, Roma, 1936; A. Vellico, Roma, 1921; S. Tommaso d’Aquino, S. Th., II-II, q. 39, a. 3.
[12] Se note que a escamoteação de um Colégio Cardinálicio apenas material, o qual pode eleger validamente um Papa, mas não governar em ato a Igreja, não salva a apostolicidade formal. De fato, se o Papa material não passa ao ato e se torna Papa formal, a cadeia ininterrupta dos Papas se interrompe e a Igreja acaba.
[13] O Episcopado é: 1º) monárquico (“um apenas é o Bispo para cada Diocese”, Santo Inácio Mártir †107, Philadelphi, IV, 1); 2º) por Vontade ou Instituição divina (S. Inácio., Eph., II, 2; Id., Trall., XIII, 2; Id., Philadel., III, 2; Id., Smyrn., VIII, 1; Id., Eph., V, 3); 3º) como norma inderrogável (S. Inácio., Philadelph.,VII, 1: “sine Episcopo nihil faciatis”). De fato, os Padres eclesiásticos desde 80 d.C. (De S. Inácio de Antióquia, Ephes., I, 2; Damas de Magnésia, Magn., II, 1; Políbio de Trales, Trall., I, 1; até a Policarpo de Esmirna, Ad Polyc., prologo) o ensinam de maneira moralmente unânime, fundando-se sobre as Sagradas Escrituras (Act.,II, 25). Então, tal verdade é contida nas duas Fontes da Revelação (Tradição e Sagradas Escrituras) e proposta para crença pelo Magistério (Conc. di Trento, sess., XXIII, c. 4, DB 960; Conc. Vat. I, sess. IV, c. 3, DB 1828; S. Pio X, Decreto Lamentabili, DB 2050 e 2147), o “Código de Direito Canônico” (can. 329, & 1) lhe sanciona a Instituição Divina. Portanto, a Igreja diocesana e a maior razão a Igreja universal não pode ser governada pelos sacerdotes colegiadamente e a fortiori pelos fiéis, mas inevitavelmente deve ser pelo Bispo (mínimo dois em todo o mundo) com jurisdição na Diocese e o Papa com jurisdição em ato na Igreja universal e não “uma aparência de Papa” (S. Inácio Mártire, Ad Rom., cap. IX). A “aparência” de Papa e dois Bispos incógnitos são uma Igreja pneumática e não visível e então, não são a Igreja de Cristo (cfr. A. VELLICO, De Ecclesia, Roma, 1940, pp. 229–242; Id., De episcopis iuxta doctrinam catholicam, Roma, ed. privata, 1937).
[14] Apenas Deus cria do nada.
[15] A madeira está, em potência, estátua ou cadeira… mas passa ao ato de estátua ou cadeira… apenas graças a um carpinteiro, que é uma causa eficiente existente em ato. Se a madeira apodrece e torna-se pó e depois nada, sem ter antes se tornado cadeira em ato, ela não é mais cadeira em potência porque “ex nihilo nihil fit”. Idem para o Card. Montini, Luciani Wojtyla, que, estando mortos sem terem se tornado Papas em ato ou formalmente, não tem mais a potência de receber a forma ou o ato do Papado (“do nada não vem nada”): de um morto não pode vir um Papa, porque é nada e não é potência ou capacidade de receber a forma do Papado.
[16] Da cadeira ou estátua não vem a cadeira ou a estátua em ato, porque é já cadeira ou estátua em ato.
[17] Para entender a ‘Tese de Cassiciacum’ é preciso conhecer a verdadeira definição de matéria e forma potência e ato, essência e ser. Se leiam, então, as primeiras três das ‘XXIV Teses do Tomismo’, aprovadas por Bento XV, sobre noção e a distinção real entre potência/ato, essência/ser e a ‘Tese VIII’ sobre matéria/forma. De fato, não se pode entender tal “Tese” se antes não se conhece que coisa é a matéria, a forma, a potência (remota e próxima), o ato, o nada, o ser como ato último de toda perfeição e o existir.
São Pio X encarregou no inverno de 1914 o Padre jesuíta Guido Mattiussi de precisar o pensamento de Santo Tomás sobre as questões mais graves em matéria filosófica, e de condensá-la em poucos enunciados claros e inequívocos. No verão de 1914 o Cardeal Lorenzello, Prefeito da ‘Sagrada Congregação dos Estudos’, apresentou as ‘XXIV Teses’ compiladas por Mattiussi a São Pio X, que lhe aprovou em 27 de julho de 1914 (AAS, 1914, p. 338). Depois Bento XV impôs ao Padre Mattiussi escrever para La Civilttà Cattolica um ‘Comentário das XXIV Teses’, que foi publicado em Roma pela Editora Gregoriana em 1917. Em 7 de março de 1916 a ‘Sacra Congregação dos Estudos’ em nome do Papa Bento XV estabelece que “Todas as XXIV Teses filosóficas exprimem a genuína doutrina de Santo Tomás e são propostas como sicure (tutae) norme direttive” (AAS, 1916, p. 157).
O Magistério eclesiástico com Papa Bento XV, em 1917, decide que “as XXIV Teses foram propostas como regras seguras de direção intelectual”. No mesmo ano o ‘CIC’ no cânone 1366& 2 apontou o ‘Decreto de aprovação das XXIV Teses’ como fonte obrigatória para o estudo da filosofia tomista.
Portanto, apenas quem estuda a primeira, segunda, terceira e oitava das ‘XXIV Teses do tomismo’ (já comentada sobre este mesmo site, ou emwww.doncurzionitoglia.com) pode empreender o estudo da “Tese de Cassiciacum”.
[18] Psalmus contra partem Donati, PL 43, 30.
[19] S. Aug., Ep. 223, 3. Cfr. B. Gheradini, La Cattolica, cit., pp. 121–124.