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Pobre Chile



Por Gustavo Corção,

publicado n’O Globo em 20 de abril de 1972


ANTES de chorar a sorte do Chile quero conversar com meu querido leitor sobre o "fascismo". Recentemente, o Professor Alceu Amoroso Lima, paramentado com seu pseudônimo Tristão de Athayde (que na era pós-conciliar já devia ter raspado o h e aparado o y), escreveu um artigo intitulado "O fascismo brasileiro", no qual evoca o fantasma do integralismo, esquecendo-se de dizer o papel de encorajador em nosso fascismo indígena. Receando que meu amigo leitor não cumpra pontualmente o dever cívico de ler os artigos de Tristão de Athayde; e receando que sua juventude tenha deixado para trás todos esses fantasmas da funesta década dos 30, tomo a liberdade de lembrar que "fascismo", no sentido próprio, foi o nome dado por Benito Mussolini ao seu movimento, e depois generalizado e aplicado aos regimes ditatoriais que se afastavam dos moldes da democracia liberal (que nesse tempo era dogma no mundo ocidental). Tornou-se logo desvairadamente equívoco o termo, antes mesmo de se tornar unívoco na simples significação de máxima abjeção.


NA ÉPOCA dos trinta o termo derivado do fascio italiano, que na antiga Roma fora símbolo de autoridade, era aceito e admitido como uma forma de exaltação de valores humanos que a invasão do comunismo e do anarquismo deprimira. Houve nessa onda de exaltação valores admiráveis como Brasillach, Drieu de la Rochelle, na França, e Luís Antônio Primo de Ribera, na Espanha, ao lado de valores sinistros no nazismo, e mais ou menos cómicos no fascismo italiano. Essa onda de entusiasmos, legítimos uns, criminosos outros, e equivocados todos, foi varrida com a derrota do eixo Roma - Berlim. Mas o cadáver do termo foi embalsamado na URSS, a principal vencedora da II Guerra por obra da inacreditável estupidez da política dos povos de língua inglesa, e tornou-se o palavrão ideológico perfeito para imobilizar e transformar qualquer adversário em estátua de sal.

TUDO isto para dizer como Tristão de Athayde e Fidel Castro hoje, em 1972, definem o "fascismo". Para nosso colunista o exemplo que oferece de fascismo é o Governo do Presidente Médici. Em 1968 houve em Nanterre um episódio que vale a pena lembrar: os estudantes maoístas (mas sobretudo interessados na promiscuidade sexual que ainda era vagamente proibida) detectaram em certo grupo um estudante como nós, leitor amigo. Não pederasta, não defensor da liberdade sexual, não maoísta. Dez ou doze pegaram-no e queriam atirá-lo pela janela do 2° ou 3° pavimento e quando o Reitor conseguiu se interpor e evitar o assassinato os "jovens" gritaram:


— É um fascista!

— É um homem, respondeu-lhe o Reitor.

— Não. Não é um homem, é um fascista.


* * *


E AGORA vamos à definição de Fidel Castro produzida na sua visita ao Chile num de seus discursos de duas ou quatro horas. Ei-la: "O fascismo é o que tudo resolve pela violência, ataca as Universidades, fecha-as, reduze-as ao silêncio, ataca os intelectuais, persegue e reprime suas atividades; ataca os partidos políticos, as organizações de massa, e as organizações sindicais e culturais, de modo que nada há mais violento, mais retrógrado e mais ilegal do que o fascismo."


O FATO de tal definição coincidir ponto por ponto com o que acontece na URSS e na falsa China não assomou sequer ao limiar da consciência de Fidel Castro porque seu discurso não deu sinais de mínima hesitação. Lembro-me de nosso guapo Brizola que, em 1958, na TV, alegrava-se com a lei que nosso congresso "nacionalista" produzira para bloquear a entrada de capitais estrangeiros no Brasil. Acaloradamente Brizola abriu os braços e lançou a comparação gloriosa: “A data de hoje só tem igual no Brasil à data da abertura dos portos." Mas aqui o centauro deteve-se e via-se no seu olhar esgazeado um susto, uma interrogação: "Abertura? Abertura? Parece que eu disse uma asneira". E sem saber exatamente qual, saiu-se com um berro que afirmava sua confiança no futuro do Brasil. Felizmente para nós esse futuro realizou-se com a corrida do centauro (que era metade cavalo e outra também) e com o advento do Governo do Presidente Médici que, além de várias qualidades, tem a suprema perfeição de desagradar a Tristão de Athayde — critério que para mim tangencia a infalibilidade.


* * *


AGORA lembro-me de que me comprometi, desde o título, a chorar sobre os chilenos. Choremos. Leio a notícia de milhares de homens e mulheres que desfilaram na noite de ontem pelas ruas de Santiago em protesto contra o Governo de Allende. Passaram cantando o hino chileno e dando vivas à "democracia" e à "liberdade". Pobre gente. Pobre povo a gritar disparates que os ventos espalharão pela imensidão do Pacífico, esquecidos de que perderam a dignidade de nação porque acreditaram demais na democracia, e sobretudo na cristã, e entraram demais no jogo que faz da liberdade a categoria suprema, acima do Bem e da Verdade que ela poderá liquidificar se bem lhe aprouver.


MAS o aspecto mais sinistro da notícia é aquele onde se lê: "A chegada do ex-Presidente Frei foi marcada por deliberantes aplausos."


POBRE Chile. Pobre gente. Ainda terão de sofrer muita coisa, senhoras e senhores, porque ainda não compreenderam a primeira linha da traição que entregou o Chile à trama da Revolução. Ainda aplaudem Frei. Ainda esperam a salvação do lado da "democracia cristã". Pobre povo, cuja felicidade está resumida em algumas pseudo-ideias que borboleteiam na cabeça de Tristão de Athayde e cujas esperanças estão resumidas a três ou quatro vermes de ideias que se arrastam na cabeça de Eduardo Frei.

*Os artigos publicados de autoria de terceiros não refletem necessariamente a opinião do Mosteiro da Santa Cruz e sua publicação atêm-se apenas a seu caráter informativo.

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