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Seria de admirar




Por Gustavo Corção n’O Globo em 11 – 01 – 1973


SIM, seria de admirar se a data da comemoração do centenário de Santa Teresinha não tivesse alvoroçado e assanhado os inimigos da Igreja. Santa Teresinha do Menino Jesus e da Santa Face, admirada por São Pio X, beatificada por Benedito XV, canonizada por Pio XI, é considerada a maior santa de nosso tempo. Santa Teresinha incomoda, Santa Teresinha fere, dói. Porque "a única tristeza é a de não sermos santos". E às almas humildes e pequeninas assustam um pouco os títulos que os Papas lhe dão. E até imaginamos que no céu ela mesma, por amor às almas pequeninas, peça a Deus o favor de sofrer esses títulos como coroas de espinhos.


SANTA Teresinha do Menino Jesus e da Santa Face foi efetivamente um exemplo vivo da mais alta experiência mística vivida e ensinada por São João da Cruz, "o doutor máximo do saber noturno e incomunicável" como admiravelmente diz Maritain. Também admiravelmente nos deixou dito o Pe. Penido que muitos se enganaram (e até difundiram uma imagem açucarada da companheira de Joana d'Arc), porque Teresinha, "por um ardil gracioso e bem feminino", soube dissimular os mais duros sacrifícios sob pétalas de rosa".

ALÉM da alta estima dos Papas, e de grandes teólogos que deixaram na vida um rastro de santidade, Teresinha foi uma contemplativa abrasada de sede pela salvação, das almas. Prometeu "passar seu céu a fazer o bem na terra" e tornou-se efetivamente a doce pequenina intercessora mais solicitada no mundo inteiro. Continua a trabalhar por nós: foi Maria na terra para ser Marta no céu.


ERA ENTÃO impossível que seu centenário não mobilizasse todos os inimigos da Igreja. Aqui no Brasil o porta-voz desse movimento de contestação da santidade coube à revista Manchete, que aproveitou a data para dar destaque ao Pe. Jean-François Six, que publicou recentemente um livro escandaloso, contestatório, A Verdadeira infância de Teresinha de Lisieux, com o evidente objetivo de aproveitar, a seu modo, o interesse reavivado no mundo inteiro.


O REDATOR de Manchete, com uma tocante ingenuidade, diz que "o livro não surpreenderia se o autor fosse um notório herege, um inimigo declarado da Igreja Católica, mas, ao contrário, o Pe. Jean-François Six é um sacerdote da Missão de França, responsável pelo secretariado para os não-crentes; detém, pois, um posto de grande importância na hierarquia eclesiástica francesa".


ESTE tópico, por sua inacreditável desinformação, basta para desqualificar toda a reportagem. Então, ainda há na revista Manchete quem não saiba que os piores inimigos da Igreja são encontrados precisamente entre os que ocupam cargos de importância?

O LIVRO do Pe. Jean-François Six se propõe como uma renovação de estudos teresianos "submetidos ao crivo de métodos modernos", diz-nos E. Renault e D. Du-liscquet na revista Le Suppiement de setembro de 1972. Esses autores, com a prévia benevolência que se tornou norma preceptiva justamente numa época em que pululam grandes imposturas, começam por abrir largo crédito às "partes positivas" do esforço de pesquisa, histórica e psicológica do Pe. Jean-François Six, mas logo adiante nos advertem que não podem acompanhar todas as ideias do autor, e dizem: "O leitor atento (grifo nosso) ficará surpreso desde a Introdução, por certas afirmações categóricas, e até grosseiras, tais como qualificativo de "fazedora de anjos" aplicado à Madame Martin (mãe de Teresinha)". E acrescenta: "Esperam-se, na continuação, as provas escrupulosamente apresentadas através dos textos e dos fatos por uma análise serena e objetiva. Em lugar disto, o leitor percebe que o Pe. Six procura inculcar sua tese, custe o que custar."

EM SUMA, o que se depreende da grosseira falta de objetividade do Pe. J.F.S. é o propósito de caricaturar o ambiente em que viveu Teresinha para assim, indiretamente e perfidamente, atingir a própria Santa. Para carregar as cores sinistras do ambiente da família e do próprio convento o Pe. J.F. Six faz esta revelação terrível que Manchete não poderia omitir: "A Madre Agnes (irmã mais velha de Teresinha) se correspondia com Charles Maurras, o escritor fascista, (grifo nosso) o panfletário monarquista francês que, após a Segunda Guerra, seria chamado aos tribunais pelo crime de colaboração com o nazismo."


O PE. J.F.S. (e Manchete) pensam que ainda estamos em 1944, na época derrisoriamente chamada Épuration, em que bastava dizer que alguém se correspondia com Charles Maurras para ser entregue à Gestapo da Resistence que condenou e executou 120 000 franceses pelo simples fato de não quererem se submeter aos comunistas que manobraram a Épuration. Hoje já se evaporou também a tolice que apontava Maurras como um traidor da França e inimigo da Igreja. Hoje tornaram-se públicas as cartas de Maurras a Pio XI e a afetuosa carta de Pio XI a Maurras, bem como as bênçãos que lhe enviava anos antes de ser levantado o interdito que pesava sobre L'Action Française.


HOJE, nós sabemos que , traiu a França, quem pregou o desarmamento total e a diminuição de horas de trabalho nas fábricas de munições, foram as esquerdas, que cerravam fileiras no governo de León Blum para destruir a França. Os discípulos de Marc Sagnier, e principalmente Emmanuel Mounier, na revista Esprit, janeiro de 1935, gritavam pelo desarmamento da França "sans arriere penseé', enquanto a Alemanha se armava febrilmente e L'Action Française gritava: Armons! Armons! ARMONS!

MAURRAS foi um devoto de Santa Teresinha e foi Santa Teresinha certamente quem abriu os olhos de Pio XI sobre a ténébreuse affaire de L'Action Française. Três vezes Maurras foi a Lisieux se ajoelhar junto à urna de Santa Teresinha e três vezes recebeu bênçãos de Roma. Agora aparece-nos um Pe. Six que pelo nome deve ser parente próximo ou afastado da Besta do Apocalipse para tirar desse episódio que engrandece Maurras uma conclusão que macula e amesquinha a maior santa dos tempos modernos.

***


É COM pesar que volto a falar de Santa Teresinha em termos de polêmica e de indignação contra seus detratores e seus analistas quando meu gosto, ou melhor, meu desejo, talvez irrealizável, seria o de passar meu resto de vida a falar de Teresinha, Terezona, de São João da Cruz, e a ruminar docemente as palavras do céu que esses heróis do Carmelo deixaram plantadas na Terra, para florir, e frutificar: para alegrar e nutrir as pobres almas que nesse mundo choram a tristeza de não serem santas.


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