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Svetlana quer um lar



Por Gustavo Corção publicado n’O Globo em 9 de março de 1972


O LEITOR certamente se lembra de Svetlana, a filha de Stalin que em 1967, conseguindo evadir-se do paraíso socialista, refugiou-se nos Estados Unidos. Depois de cabeçalhos descomunais que provocou na imprensa do mundo inteiro, a figura de Svetlana já declinava no poente da publicidade e já mergulhava no crepúsculo do esquecimento geral quando, para meu espanto, reapareceu no noticiário do mês passado. Espalhara-se a notícia de que Svetlana pretendia divorciar-se de seu quarto marido, o arquiteto norte-americano William Qualquer Coisa. Entrevistada, Svetlana exclamou: "Por Deus, eu não pensei nisto. Jamais quis separar-me dele. A divergência que existe entre nós é apenas de estilo de vida." E a filha de Stalin explicou aos jornalistas que possuía uma casa em Tallesin Oeste, Arizona, onde mora com seu marido e uma filha de dez meses.


DA EXPLICAÇAO de Svetlana conclui-se que ela efetivamente deixou a casa, mas alega que não quer deixar o marido. E por que razão deixou ela a casa onde o marido se obstina em permanecer? Por uma razão simples e límpida como a água da fonte. O sistema de vida que o marido quer manter em Tallesin é comunal, dentro da Fundação Frank Lloyd Wrighy, que pretende realizar uma comunidade de famílias, mas Svetlana queixa-se amargamente desse sistema, onde não existe possibilidade da vida particular, que é o seu sonho.


"DURANTE os dois anos que passamos em Tallesin jamais tivemos um fim de semana para nós. Nem sequer um fim de semana normal. Eles querem levar em Tallesin uma vida baseada numa filosofia especial, enquanto eu só aspiro a uma vida privada e pacífica."


HÁ NESSE episódio um polinômio de contradições, ou melhor, de pilhérias e gaiatices que só a verdadeira vida real é capaz de inventar. Uma delas é o tom tranquilo, inteiramente destituído de qualquer miligrama de humor, com que Svetlana publica seu sensatíssimo desejo de um lar. Realmente, essa senhora de 46 anos, dos quais quarenta soviéticos, nos fala, ou julga que tem o direito de nos falar como se fosse a filha de um farmacêutico de Pindamonhangaba.


A FILHA do fiador de Hitler na invasão da Polônia e no desencadeamento da II Guerra Mundial que, por uma espantosa convergência de traições, resulta no benefício e na consolidação de um dos dois criminosos, a filha do tirano que, depois das próprias tiranias, prestou aos novos tiranos o sinistro serviço póstumo de se tornar escoadouro, sifão de toda a intrínseca malignidade do comunismo, a filha de Joseph Stalin julga ter adquirido nos Estados Unidos o direito de falar como se não tivesse existido e não continuasse a existir o fenômeno dentro do qual viveu muito à vontade durante quarenta anos. Poderia, na mesma entrevista, ter dito, com a autoridade, de connoisseur, que desse negócio de estilo de vida comunal estava cheia. Podia alegar, em tom tragicômico, que pagara para ver. Podia buscar no seu coração, que afinal de contas tem as mesmas coronárias e os mesmos aurículas e ventrículos de todos os honrados corações, um mínimo de simpatia pelos pobres idiotas que encontrou em abundância crescente no país que a acolheu, como acolheu tantos e tantos rejeitados e perseguidos pela Europa enlouquecida. Podia em suma declarar que desejava viver em paz no seu "home sweet home", mas prometia lutar um pouco mais para libertar seu marido americano da mais sinistra besteira da história humana.


NÃO É MENOS estranha, ou menos revoltante, a placidez com que os próprios americanos veiculam a notícia. E eu imagino sem grande dificuldade a fisionomia e a coleção de frases que compõem os personagens integrados na Fundação Frank Lloyd Wrighy, embora ignore totalmente quem foi o monumental idiota que está nos alicerces dessa experiência que enaltece e inflama o "homem exterior" em prejuízo da verdadeira pessoa humana feita à imagem e semelhança de Deus.


* * *


A FAMÍLIA é um grupo, uma comunidade de direito-natural, uma sociedade exigida pela natureza do homem. Pode-se dizer sem demasia que o homem é o animal-familiar; ou, com Santo Agostinho, que uma multidão sem famílias é um aglomerado infra-humano.


A MESMA lei-natural que exige a família com base no casamento monogâmico e indissolúvel também exige a constituição da Cidade, isto é, da sociedade maior em que todas as famílias e todos os indivíduos militam sob boas e sábias leis, eunomia, tomam consciência afetiva e moral da necessidade de uma espécie de amizade cívica, mais larga e alta do que a amizade familiar, em vista do bem comum. Três palavras gregas resumem essa filosofia da convivência política: eunomia, filia e eleutéria.


NESTA pauta Aristóteles dizia que o homem é o animal-político, isto é, o animal que deve viver na Polis.


ENTRE a densa sociedade familiar e a larga sociedade civil que hoje chamamos pátria, podemos organizar mil pequenos e inofensivos agrupamentos, já que o homem atrai o homem, mas todo o cuidado é pouco em relação às filosofias políticas que têm a pretensão de internacionalizar o homem e de destruir a ideia de pátria. O mundo moderno está-se esmerando em alcançar esses dois objetivos com que pretendem fundir o mundo numa grande massa que unanimemente se mova para contestar a lei-natural, isto é, para negar e repelir o senhorio de Deus.

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