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Terrificante pessimismo


Por Gustavo Corção,

publicado n’O Globo em 11 de maio de 1972


NA IGREJA deste domingo o sermão foi bom, diria até excelente se no leite de sua perfeição não tivesse caído a mosca de um termo obsessivo que já saturou todos os espíritos equilibrados. O Evangelho do dia era o de João, Capítulo XVI, em que Jesus, despedindo-se dos doze, anuncia que lhes enviará "o Espírito de Verdade que os guiará até a verdade completa".


PENSANDO certamente no Espírito de Verdade, e na Verdade que glorificará o Pai e o Filho, o padre começou sua homília, citando um autor Romeno que se referia à invasão soviética e ao testemunho que teria de dar, e disse com calor e ênfase: "É abominável, é execrável alguém esconder a Verdade para salvar a vida". Muito bem. Não podia achar o padre melhor exortação para este Domingo em que Jesus anuncia o Espírito de Verdade; nem era outro o pensamento dos santos mártires — mas infelizmente nosso padre acrescentou por conta do autor romeno e por conta própria: "sobretudo quando se é jovem, poeta, padre".


POR que "jovem"? Não sei, nem o próprio padre certamente saberá. O que sei, sem hesitar, é que estamos diante de um dos mais cômicos ou sinistros absurdos deste século tão fértil nisto. Seria realmente divertido, se o equívoco em jogo não fosse sinistro, usar no caso a dialética e a ironia socrática. O leitor não ignora que há no clero de hoje um frenesi de exaltação da juventude, e que esses mesmos que abrem um ilimitado crédito aos jovens, como recomenda Dom Helder Câmara, se apresentam como otimistas, entusiastas do mundo e confiantes no futuro. Ora, é fácil mostrar que não há doutrina mais sombria, mais pessimista, mais desesperada do que essa que, colocando o apogeu da vida em certa faixa etária, condena o próprio jovem a uma irreversível, inevitável e irremediável degradação. Em cada ano, em cada mês, em cada dia, o mais desventurado dos semideuses da moderna mitologia tornar-se-á menos digno de crédito não apenas na "Exposição" e nos Bancos, mas no convívio de toda a humanidade. E então, por um inflexível decreto de algum Destino colocado misteriosamente e implacavelmente acima dos deuses, quando o desventurado chegar à idade de pai terá alcançado o limiar de um universo de corrupção crescente. Quando chegar à idade de pai de um jovem terá atingido o nadir de sua miserável existência, e será necessariamente um criminoso, um culpado de todas as próprias culpas e principalmente das culpas dos filhos.


PODERÁ daí por diante galgar uma espécie melancólica de progresso, e até merecer de padres, arcebispos e conferências episcopais uma subespécie de demência se renunciar, se capitular e se tomar o partido de envelhecer numa imbecilidade risonha e inofensiva que jamais ousará falar como sempre falou esta antiquíssima humanidade.


SIM. Antes de chegarmos a este patamar sem igual na história sagrada e profana sempre se disse que o moço é moço e por isso mesmo é alguém que olha em volta de si e vê um mundo aonde chegou e onde encontrou um sem número de coisas feitas pelos "outros", pelos pais, tios, avós, bisavós etc. Abre a bica e vê a água jorrar; aperta um botão mágico e nasce uma estrela domesticada por cima da família, fica doente, encontra logo o antibiótico em forma de grão. Tudo preparado. Tudo aprimorado. Há sem dúvida muitos desconcertos no mundo dos homens, mas o recém-nascido para a consciência social é o último a ser chamado para o concerto de tais desconcertos. Um moço normal (não digo normal com sentido de mais encontradiço, mas com sentido daquilo que normativamente deve ser) deveria ser, antes de tudo, um reverente, um agradecido a Deus e aos homens. Um admirador; um obediente; que matéria há de sobra, no mais desarranjado dos séculos, para admirar, para agradecer e para obedecer. E é por isto que a antiquíssima — refiro-me à supramencionada humanidade jorrada do lado aberto de Adão —sempre em todos os lugares e séculos, praticou o culto dos antigos sob a forma de piedade cívica, ou de piedade religiosa. Por isso existem nomes de ruas que em vida foram gente, existem estátuas e panteões; e por isso também a Igreja desde os primeiros dias guardou relíquias de seus heróis para a veneração dos pósteros. E é por isso também que a mais misteriosa e deslumbrante experiência feita pela antiquíssima humanidade chegou a seu ponto máximo, ao seu esplendor tão ansiosamente esperado, quando o Verbo de Deus se incarnou para ensinar aos homens a chamarem Deus pelo doce nome de Pai. Pai nosso que estás no céu. Etc.


SIM. Durante milhares de anos e séculos, a perder de vista, vê-se sempre a mesma relação fundamental pai-filho, sujeita a mil vicissitudes, mas sempre, mal ou bem, recolocada de cabeça para cima. Na história profana vemos o severo Nestor a ousar queixas da geração de heróis moços em nome de paradigmas talvez imaginários, mas em nome de um princípio realíssimo. Na sagrada vemos o próprio Deus no Sinai a gravar na pedra do Antigo Testamento o quarto mandamento. Na tradição cristã, depois da transformação da pedra da lei em pão da vida, e da utilização da pedra para custódia de pão, ainda se ouve a regra primeira da transmissão, ou da comunicação de vida espiritual: "Obsculta, o fili, praecepta magistri, et inclina auren cordis tui et admonitionem pii patris..."


ESCUTA filho os preceitos de um mestre, e inclina o ouvido de teu coração às palavras de um terno pai...


* * *


FOI PRECISO chegarmos aos dois terços deste século de desesperanças para assistirmos ao espantoso espetáculo do mundo de pernas para o ar, e de sermos essa monstruosidade que de pai em pai quer atingir e matar o Pai nosso que está no céu; foi preciso chegarmos a esta anti-Igreja, que é o "mundo" odioso do Evangelho; e foi preciso padres, bispos e conferências episcopais se submeterem à odiosíssima tolice inculcada por Satã para chegarmos aonde chegamos: a subversão, a inversão, a revolução, a desobediência e o parricídio são trocados em moeda miúda com que até os bons padres que ainda têm fé pagam seu modesto mas inelutável tributo à onda.


* * *


OS MAIS atingidos por essa demagogia etária são os próprios moços pelos quais D. Helder tão impensadamente e tão cruelmente distribui o mais aberrante alucinógeno.

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