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XXIV – O Escândalo - As Consequências


O Escândalo

As Consequências


III – As Consequências


1 – A multiplicação dos pecados


Quem aceitou o escândalo, facilmente o dá a outrem. E, então, quem pode dizer o número dos pecados que os escandalosos fazem os outros cometerem? O escândalo é como uma centelha de fogo que causa um grande incêndio. É como a gangrena que infecciona só uma parte do corpo, e depois se dilata aos poucos por todo corpo. É como o contágio que um único pestilento pode levar a muitíssimas pessoas.


E os dados do escândalo dado por uma pessoa, podem durar até séculos. Henrique VIII, rei da Inglaterra (+ 1547), deu um gravíssimo escândalo de impiedade e de desonestidade ao seu reino; e dali por diante, até hoje, inúmeras almas têm perdido a fé. Lutero (+1546) e Calvino (+1564) fizeram o mesmo na Alemanha, e alhures; e com seus escândalos arrastaram à heresia populações inteiras, e por conseguinte milhares e milhares de almas à perdição. Voltaire, e outros como ele no século passado espalharam o escândalo na França, com doutrinas perversas: e tal escândalo dura até hoje!


2 – A grande dívida


Sabeis, afinal, a grande dívida que contraiu para com Deus quem deu escândalos? Deverá este prestar contas não só dos pecados que cometeu, mas também dos que fez outrem cometer. Ora, como se poderá reparar a tanto dano causado? Como é difícil! Se o pecado permanece em quem o cometeu, bastará que se arrependa; mas se passou para outrem...?


O herege Berengário – Berengário, herege francês (+ 1088), que havia espalhado o veneno de suas heresias, tornou-se afinal penitente; mas chegada a hora da morte, tremia e chorava. O sacerdote que assistia lhe disse: “Por que esse pavor?” e o animava a confiar na misericórdia infinita de Deus. O moribundo respondeu: “De meus pecados bem que espero o perdão, pois os conheço e sei que por eles fiz penitência; mas... os pecados que eu fiz os outros cometerem...?”. esse infeliz a custo pode acalmar-se. Vedes a grande dívida?


Amiúde, pois, é o dano causado pelo escândalo absolutamente irreparável.


Um menino fratricida – Aurélio, escritor romano, conta que um pagão de nome Macário, na presença de dois filhinhos seus, cortou o pescoço de um forasteiro que dormia em sua casa, para tomar-lhe o dinheiro. Ele pensava que os dois pequenos não percebessem a cruel façanha: entretanto eles viram e notaram tudo, e ficaram muito impressionados. Dias depois, brincando juntos, disse um deles ao outro: “Vamos também fazer aquilo que papai fez ao forasteiro”. E ingenuamente, um deles, o menor deitou-se num banco, fingindo dormir; e o outro com o facão do pai cortou o pescoço do irmãozinho!


Eis uma pavorosa consequência, irremediável, de um escândalo dado.


E se as almas escandalizadas forem logo para o inferno? Como poderá, quem deu o escândalo, reparar ao seu eterno dano?


3 – Os castigos de Deus


Se é grande o pecado de escândalo, será grande também o castigo com que será punido. Jesus Cristo exclamou: “Ai daquele homem, por quem vem o escândalo! Vae homini illi per quem scandalum venit!” (Mt 18, 7). São João Evangelista no Apocalipse, diz ter visto debaixo do Altar as almas dos Santos Mártires, que pediam vingança contra seus perseguidores, exclamando: “E até quando, ó Senhor, ficará sem vingança o nosso sangue? Usquequo, Domine, non vindicas sanguinem nostrum?” (Ap 6, 10). Assim, invocarão as almas perdidas dos escandalizados a vindita sobre os que lhes causaram a ruína. E Deus fará essa vingança.


A OBRIGAÇÃO DE REPARAR – Quem roubou, se pretende o perdão deve restituir. Ou restituição, ou condenação! Também para quem roubou a Deus as almas, há a obrigação de as restituir a ele, se pretende ser perdoado. Mas como se poderá fazer tal restituição? Se não se pode fazê-la, deve-se reparar o dano do melhor modo possível. Eis o modo. Quem deu escândalo deve lamentar amargamente o seu pecado aos pés do Crucifixo, pedindo perdão a Deus; e deve com o bom exemplo e com uma vida santa conquistar almas para Jesus Cristo.


O santo rei Davi, depois de dar um grave escândalo, ficou seriamente arrependido; e não se dava paz, e chorava dia e noite, e deitava cinzas em sua comida, e misturava com as lágrimas a sua bebida: Cinerem tamquam panem manducabam, et potum meum cum fletu miscebam (Sl 101,10). Afinal protestava que daria o bom exemplo e que converteria as almas dos maus: “Senhor (dizia), ensinarei os pecadores os caminhos vossos, e farei que os ímpios a vós se convertam: Docebo iníquos vias tuas, et impii ad te convertentur (Sl 50).


A restituição de S. Raimundo - S. Raimundo de Peñafort, espanhol (+1275), foi então famoso professor na Universidade de Bolonha. Certa vez ele dissuadiu de fazer-se religioso um aluno seu de grande inteligência e bondade, o qual lhe havia pedido conselho. Desde esse dia começou Raimundo a sentir uma apreensão: um pensamento o perseguia dia e noite e lhe dizia: Ah! Raimundo, que fizeste? Foste um anticristo, roubando à Igreja e a Jesus Cristo um jovem de valor, que talvez, ficando no mundo, venha a perder-se!...”. Raimundo se arrependeu cem mil vezes, e se confessou do mau conselho dado; mas a voz da consciência continuava a lhe gritar: “Ladrão! Restituição!”. Finalmente, para remediar ao escândalo dado, e para dar a Deus e à Igreja um súdito, renunciou à cátedra de professor e se fez religioso, entrando na Ordem de S. Domingos. Assim se tornou santo.


Diante de um Crucifixo – Um jovem penitente, que antes fora pecador escandaloso, havendo atraído ao mal uns colegas seus, sabeis o que fazia? Ia frequentemente diante de uma imagem do Crucifixo entre os dois ladrões, e, pedindo perdão, dizia: “Ah! Senhor! Entre esses dois ladrões como terceiro me posso colocar, com esta diferença: que eles foram ladrões de trastres e de dinheiro, e eu de almas. Sim, almas eu roubei a essa Cruz e as tirei do vosso lado! Almas que vós resgatastes... que custam o vosso sangue! Jamais julgar-me-ei convertido, se não pensar doravante em conquistar almas para vós de qualquer jeito, a fim de restituir-vos o que vos roubei!”


Conclusão


Dentre vós, ó queridos filhos, não haverá nenhum escandaloso: quero crê-lo; mas se por desgraça houvesse alguém que haja dado escândalo, já sabe o que deve fazer para remediar a tão grande mal; arrependido, deve pedir perdão a Deus, e para obtê-lo deve dar o bom exemplo. Assim ainda poderá obter perdão. Deveis todos, no entanto, saber que no mundo são muitos os escandalosos, e que muitos jovens perdem a inocência e fazem o mal por causa desses filhos do diabo. Por isso vos digo: Ficai longe dos escandalosos! Fugi deles! Se o diabo vos aparecesse visivelmente, sentiríeis gelar o sangue de pavor, e fugiríeis não se sabe para onde, a fim de o não ver! E, no entanto, não deveríeis tremer muito, pois com um sinal da cruz podeis pôr em fuga todos os diabos. Mais temíveis são os demônios que passeiam por entre nós em carne e osso, isto é, os escandalosos: este sim, deveis temer e deles fugir.


S. Bernardino e os ladrões – S. Bernardino de Sena, rapazinho, era de uma candura angélica e de amabilíssimas maneiras que o tornavam querido de todos! Uns rapazolas escandalosos, verdadeiros lobos com pele de cordeiro, abusando de sua simplicidade, insinuaram-se em sua amizade e lhe fizeram ignominiosos convites a fim de lhe raptar o mais rico tesouro que é a graça de Deus. Mas o rapazinho, apenas conhecida a trama diabólica, punha-se a correr, e fugindo gritava: “Aos ladrões! Aos ladrões!”. Imitai este santo, e mantereis facilmente na graça de Deus a vossa alma, e ficareis contentes.



(Extraído do livro A Palavra de Deus em Exemplos, G. Montarino,

Do original La Parole di Dio per la Via d’Esempi)

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