O Respeito Humano
É uma solene insensatez
O retórico Mário Vitorino – No século IV ensinava eloquência em Roma o célebre retórico e gramático africano Mário Vitorino. Era pagão, mas o entusiasmo pelos estudos o levou a leitura do Evangelho, cuja doutrina, em que ele via certa harmonia com a filosofia platônica, lhe tocou o coração de sorte tal que ele se fez cristão. Habituado, porém, em aplausos do patriciado, envergonhava-se de confundir-se com o povo, e abstinha-se das igrejas e das práticas religiosas; e a um companheiro, que lho censurava, respondia, quase caçoando: “São, porventura, as paredes que fazem os cristãos?”. Mas veio o momento em que ele se envergonhou de sua covardia: quando leu no Evangelho a sentença de Jesus Cristo: “Se alguém se envergonhar de mim diante dos homens, eu me envergonharei dele” (Mt 10,33), fez este raciocínio lógico: “Se o tornar-me cristão é infâmia, por que me torno? E se não é infâmia, por que me envergonho?”. E diante de uma multidão de gente comovida, fez sua profissão de fé, lendo em voz alta do Credo dos Apóstolos. Essa coragem manteve-a ele afinal enquanto viveu, praticando abertamente a sua religião; e na perseguição de Juliano, o Apóstata, renunciou à cátedra, mas não à sua fé.
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O respeito humano ou o medo de mostrar-se cristão, do qual a principio deu prova Vitorino, é ainda a chaga que em nossos dias arruína tantas almas, mormente jovens. Para que esse mal não pegue em nenhum de vós, demonstrar-vos-ei que é:
1 - Uma solene insensatez
2 - Uma negra traição
I – O respeito humano é uma solene insensatez
1 – O mundo fala
Eis o grande espantalho que impede a muitas pessoas mostrarem-se cristãs. O mundo fala? Deixá-lo falar. Pode-se pretender-lhe tapar a boca? Façais o que quiserdes, o mundo falará sempre. Se fordes à Missa, a prédica, aos Sacramentos, dirá o mundo que sois carolas; se frequentais os espetáculos, os divertimentos, os bailes, dirá que sois levianos. Se uma jovem é retraída, é uma selvagem; se anda pelas ruas, é uma namoradeira. Se alguém poupa o que é seu, é um avarento; se tem mãos abertas é um irrefletido. Não é assim? O mundo quer sempre dizer alguma coisa. Quem lhe pode tapar a boca? Pretendê-lo seria uma insensatez.
2 – Em que se temem os mexericos
Nos interesses temporais? Não. Por certo não se deixa de fazer um bom contrato, nem se deixa escapar um bom lance da sorte por causa dos mexericos da sociedade. Nesses casos faz-se o que convém, sem ligar nem a quem fala e nem a quem ri. Aliás, muitos não se preocupam com as críticas do mundo nem quando tem motivo de envergonhar-se... E se alguém lhes previne que o povo fala de sua conduta incorreta, respondem: “Que me importa o que diz o povo?”. Em que, afinal, se temem os mexericos? Nas coisas da alma. Se se trata de fazer a Páscoa, de ir à Missa, de observar a lei de Deus... aí, sim, tem-se medo: no resto se é franco e cioso da própria liberdade.
3 – E quem é esse mundo, cujas críticas se temem?
São, por ventura, os bons? Não. Estes até vos louvam e vos admiram se vos mostrais francos na prática da religião. São os mais ajuizados dentre os mundanos? Também não: estes, afinal, sabem apreciar as virtudes embora não as pratiquem. Quem são então os que fazem críticas e zombam?
Às vezes são ignorantes; mas em geral são homens sem honra e sem estima, os quais não querem ver na boa conduta alheia a sua própria condenação, e dos quais teríeis vergonha de serdes amigos. E destes, procurar-se-á a estima? Temer-se-á o desprezo? Não vedes que isso é insensatez?
4 – O próprio mundo condena a covardia
Os mundanos são cegos consigo próprios, mas tem os olhos abertos sobre os demais. Acreditais que não vejam a covardia de quem quer agradar a Deus e ao mundo, e que como uma ventoinha se dobra a todos os ventos? Sim, veem-no: porque gostam de tê-lo como objeto de seu escárnio. Se às vezes fingem aplaudi-lo, depois pelas costas, zombam dele, chamando-o homem sem caráter e sem convicções. Não: os próprios mundanos não estimam os semi-cristãos que pretendem servir a dois senhores.
5 – O mundo respeita e admira a virtude
Mostrai-vos francos e leais, e o próprio mundo respeitar-vos-á; professai publicamente vossa fé, sem desmenti-la com a conduta, e o mundo será coagido a admirar a vossa virtude. Fará suas tentativas para esmorecer-vos; mas, quando vos vê intrépidos aos seus assaltos, entrega as armas, reconhece a vossa superioridade, transforma em admiração as suas zombarias.
O Rosário de um estudante - Num colégio militar de Paris havia um bom rapaz cuja mãe, viúva de um general, lhe havia dado como preciosa lembrança de um Rosário. O rapaz frequentemente o recitava, embora no meio de uma turba de colegas descrentes. Certa noite não encontra ele mais o rosário, mas recita igualmente a sua oração. Na manhã seguinte, levanta-se um barulho dos diabos entre os colegas que haviam achado o rosário. E um deles, mais desabusado, assim desafia o colega que o tinha perdido, a que o vá buscar: “Quem o capuchinho que anda com rosário? Que dê um passo avante o imbecil!”. E entrementes pendura o rosário nos ramos de uma árvore. Aí dá um passo avante o rapaz e exclama francamente: “Esse rosário é meu, e vós, mais ímpios do que o incréu Volney, que numa tempestade do mar sacou do Rosário para rezar, zombais de mim afinal; mas ficai sabendo que me glorio de rezar o rosário. Glorio-me com os maiores personagens e guerreiros: Luís XIV, Carlos V, Henrique IV, Afonso de Portugal, Carlos de Borgonha, Daniel O’Connell, em valorosos soldados da Vendéia, que Napoleão chamou de gigantes, os quais no campo de batalha marchavam com o rosário na mão. Sabeis que este rosário pertence ao general meu pai, cujo valor jamais alcançareis!”. E um oficial, espectador da cena, batendo às costas do rapaz lhe disse alto: “Bravo! Vós que tão corajosamente sabeis defender vossa religião, também habilmente sabereis um dia defender a pátria”.
Vedes como trata o mundo? Estima os que o desprezam, e desprezam os que o temem. E eis a grande insensatez do respeito humano: por querer fugir às críticas do mundo, vai-se ao encontro do seu desprezo!
(Extraído do livro A Palavra de Deus em Exemplos, G. Montarino,
no original La Parole di Dio per la Via d’Esempi)